Notas sobre o livro “A Campanha da Força Expedicionária Brasileira pela Libertação da Itália” por Ricardo Begosso, publicado no site Portal Disparada, 27 de abril de 2018.
A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial é um dos episódios que melhor expressa os valores do nosso nacionalismo.
Conta-se que quando o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália, em 31 de agosto de 1942, Adolf Hitler teria comentado que seria mais fácil uma cobra fumar do que as tropas brasileiras fazerem a diferença na guerra.
Sob o comando do general Mascarenhas de Moraes, um contingente de 25 mil homens foi enviado à Itália a partir de 2 de julho de 1944, integrados ao 5º Exército norte-americano. Os efetivos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) foram tão grandes que não houve a possibilidade de todos serem enviados à Itália na mesma viagem.
A FEB havia sido criada em 9 de agosto de 1943, após fechados os acordos entre Getúlio Vargas e Franklin D. Roosevelt sobre a participação do Brasil no teatro de operações europeu. Desafiador, o emblema da FEB mostrava uma cobra fumando seu cachimbo. Assim seria a participação dos brasileiros no conflito mais dramático do século.
A mobilização de guerra contra o fascismo fortalecia o campo democrático dentro e fora do país. Um enorme número de voluntários passou a se apresentar para integrar as forças da FEB. Os processos de seleção eram rígidos, e muitos foram rejeitados. Muitas mulheres tentaram, e cerca de 20 foram selecionadas para servirem como enfermeiras. Também o Partido Comunista do Brasil (PCB) estimulou seus militantes a se apresentarem como voluntários.
Conforme aponta Durval de Noronha Goyos Jr. os quadros da FEB contavam com muitos brasileiros descendentes de imigrantes japoneses, alemães, italianos, poloneses, libaneses, e, de acordo com o sargente Ruy de Noronha Goyos, prevaleciam na FEB os “caboclos” de todo o Brasil. A dimensão da união nacional em torno da luta antifascista foi realmente grande, dado que havia representantes de 21 estados brasileiros nas forças brasileiras.
Clarice Lispector, futura escritora brasileira, participou do corpo de enfermeiras da FEB. Celso Furtado, futuro economista e um dos maiores intérpretes do subdesenvolvimento brasileiro, também compôs os quadros da FEB na Itália.
Diferente das forças armadas dos Estados Unidos, a FEB não segregava negros, brancos ou descendentes de imigrantes de qualquer país em suas tropas. Não havia discriminação racial nas forças brasileiras, o que levou um jornal americano da época a perguntar: “Negros e brancos lutam juntos pelo Brasil, por que não pelos Estados Unidos?”. Um outro jornal americano publicou uma foto de soldados brasileiros, brancos e negros, embarcando juntos para a Itália, ao mesmo tempo em que afirmava: “O Brasil mostra como a democracia deveria funcionar”¹.
Até mesmo os soldados negros americanos feridos em batalha preferiam ser atendidos pelo serviço médico brasileiro, que não os discriminava pela sua cor.
Na Itália, os brasileiros colaboraram fortemente com as forças italianas de resistência ao nazismo, entre elas as Brigata Giustizia e Libertà e a Divisione Garibaldi, constituída por militantes do Partido Comunista Italiano.
Iniciadas as batalhas em território italiano, ficou evidente para o Brasil o terror racial do nazismo. Durval de Noronha Goyos Jr., em seu indispensável livro A Campanha da Força Expedicionária Brasileira pela Libertação da Itália, conta que:
“As tropas alemãs receberam instruções de Berlim para tratar com extrema dureza os expedicionários da FEB, de maneira a desmoralizá-los e poder exibi-los aos demais países da América Latina, já que os brasileiros eram os únicos da região no teatro de guerra europeu.”
A extrema dureza do tratamento recomendado aos brasileiros pode ser atestada no fato de que os alemães posicionavam explosivos dentro dos cadáveres de soldados brasileiros caídos em combate para causar baixas nos médicos da FEB*.
Apesar dos horrores e desafios que a FEB enfrentou na Itália, a campanha brasileira foi um sucesso. Os “pracinhas” brasileiros obtiveram conquistas admiráveis frente às forças alemãs, e neste último sábado (14) completaram-se 73 anos de uma das mais extraordinárias batalhas ocorridas em território italiano.
Durante a tomada de Montese, três soldados brasileiros saíram em patrulha pela região. Seus nomes eram Geraldo Baêta da Cruz, de 28 anos, vindo de Entre Rios de Minas, Geraldo Rodrigues de Souza, 26 anos, natural de Rio Preto na Zona da Mata, e Arlindo Lúcio da Silva, de 25 anos, proveniente de São João del Rey.
Era 14 de abril de 1945 quando os três pracinhas se depararam inesperadamente com uma companhia inteira do Exército alemão. Os alemães estavam em aproximadamente 100 homens, completamente armados, e ordenaram aos brasileiros que se rendessem.
Em meio à sangrenta batalha pela tomada de Montese, que durou quatro dias, os brasileiros optaram honradamente por não se render, e lutaram com bravura até a munição acabar e serem, após horas de combate, mortos pelos alemães.
A coragem dos brasileiros foi tamanha que o comandante nazista mandou enterrá-los e posicionou sobre a cova uma placa com o escrito “Drei Brasilianische Helden”, “Três Heróis Brasileiros“.
Em meados do mesmo mês de abril, as tropas soviéticas lideradas pelo marechal Zhukov alcançaram Berlim. Com a chegada dos soviéticos à Alemanha, a resistência alemã na Itália desintegrou-se e se abriu o território para a definitiva libertação italiana, da qual com muita presença participaram as forças brasileiras, tanto pela terra como pelo ar, com a FAB.
Em 2014, a banda sueca Sabaton lançou um álbum chamado “Heroes”, que contém uma faixa em homenagem aos três heróis brasileiros de Montese. Passado o último 14 de abril, é interessante resgatar a nossa história e lembrar que o Brasil tanto tem para contribuir ao mundo. O refrão, em português, é um tributo aos nossos heróis.
Ricardo Begosso
* Grande parte das informações apresentadas pode ser encontrada no livro “A Campanha da Força Expedicionária Brasileira pela Libertação da Itália“, de autoria de Durval de Noronha Goyos Jr. Esse trabalho é indispensável para os que quiserem ter uma visão completa e bem documentada da participação da FEB na Segunda Guerra Mundial.
Fonte: https://portaldisparada.com.br/politica-e-poder/herois-brasileiros-segunda-guerra-italia-nazismo-nacionalismo/