Posfácio do livro Revolução Cultural na República Popular da China

Por Prof. Dr. Luiz Alberto Moniz Bandeira, janeiro 2017, Alemanha.

Nos meados da década de 1950, Mao Zedong instituiu o slogan “Deixai que cem flores desabrochem”, o que significou a abertura de debates entre diversas escolas de pensamentos. Essa iniciativa de democratização não durou muito tempo. Diante das críticas, Mao Zedong, em 1958, lançou a campanha, denominada “Um salto para frente”, com o objetivo de ampliar a produção agrícola e impulsar a industrialização do país. “Um salto para a frente” provocou, entretanto, um retrocesso. A tentativa fracassou e Liu Shao-ch’i, antigo companheiro de Mao Zedong, assumiu a presidência. As contradições internas, dentro do PCC, recrudesceram, então, e Mao Zedong, com o apoio do Exército Popular de Libertação, deflagrou a Revolução Cultural, a fim de recuperar o poder, alicerçado na edição de milhões de exemplares do Livro Vermelho, escrito a partir da década de 1920. E o terror, a destruir grande parte do patrimônio cultural da China, estendeu-se pela segunda metade dos anos 1960.

Esse éo período que o notável jurista Durval de Noronha Goyos Jr., profundo conhecedor da China, de sua história e de seu desenvolvimento, tratou de explicar e, conforme bem assinalou em sua importante obra, “Introdução à História da Revolução Cultural Chinesa”, o respectivo movimento em uma perspectiva dialética, constituiu a antítese que possibilitou a síntese do atual processo, o notável desenvolvimento econômico, político e social, ocorrido na China, a partir dos anos 1980, não obstante todo o grande sofrimento do seu povo.

O ensandecimento da juventude, a demolir os pilares da cultura e da civilização, atingira tal ponto que evidenciou a inviabilidade do socialismo, naquelas condições, e o próprio Mao Zedong, juntamente com Chu En-Lai, o grande diplomata da China, e outros dirigentes do Partido Comunista Chinês, tratou de conter a continuidade da Revolução Cultural. Porém, somente após o falecimento de Mao Zedong, em1976, Deng Xiaoping, voltando ao poder, começou a promover reformas econômicas, autorizando os chineses a realizar empreendimentos comerciais privados e abrindo o país aos investimentos estrangeiros.

Ele e outros dirigentes do Partido Comunista Chinês haviam percebido que não podiam manter o mesmo modelo de socialismo, implantado na União Soviética por Stalin, dentro da economia mundial capitalista. Daí a abertura para uma economia de mercado. Jiang Zemin e Li Peng, sucessores de Deng Xiaoping, continuaram as reformas e a China tornou-se a segunda maior economia mundial, na iminência de suplantar, em poucos anos, os Estados Unidos da América, dos quais em 2011 já era o maior credor. Isto não significou que o Partido Comunista Chinês renunciara ao objetivo de implantar na China o socialismo.

O primeiro-ministro Wen Jiabao, em 2011, previu o “primary stage of socialism for the next 100 years”, ao reiterar que o Partido Comunista Chinês persistiria executando as reformas e inovação de modo a assegurar o vigor e vitalidade, o socialismo com as características chinesas. “Without the sustained and full development of productive forces, it will be impossible to achieve social fairness and justice, an essential requirement of socialism” – afirmou Wen Jiabao,31 restabelecendo o princípio de Karl Marx, segundo a qual uma formação social nunca desmorona sem que asforças produtivas dentro dela estejam suficientemente desenvolvidas, e que as novas relações de produção superiores jamais aparecem, no lugar, antes de que as condições materiais de sua existência sejam incubadas nas entranhas da própria sociedade antiga32. Para distribuir a riqueza, antes seria necessário criá-la.
E assim a China o fez.

31 Wen Jiabao – “Our Historical Tasks at the Primary Stage of Socialism and Several Issues Concerning China’s Foreign Policy” – Tradução oficial. Embassy of The People’s Republic of China in Uganda, ug.china- embassy.org/eng/xwdt/t302141.htm
32 “Eine Gesellschaftsformation geht nie unter, bevor alle Produktivkräfte entwickelt sind, für die sie weit genug ist, und neue höhere Produktionsverhältnisse treten nie an die Stelle, bevor die materiellen Existenzbedingungen derselben im Schoß der alten Gesellschaft selbst ausgebrütet worden sind.” Marx, Karl, Zur Kritik der Politischen Ökonomie Vorwort, in Marx, K. e Engels, F. Werke, Band 13, Berlin, Dietz Verlag, 1981, pp. 8-9.,