Visita de Obama não disfarça rivalidade estratégica entre Brasil e EUA

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 23 de março de 2011.

São Paulo – O reconhecimento pelos Estados Unidos da America da realidade econômica do Brasil e das oportunidades comerciais e de investimentos no País, não é acompanhado da aceitação de sua influência política, quer em âmbito regional, quer em âmbito global, pelos formadores da estratégia política exterior americana.

De fato, na recente visita do presidente Barack Obama ao Brasil, que se encerrou em 20 de março de 2011, o líder americano não pôde se furtar ao fato de que o Brasil hoje oferece aos EUA um superávit comercial massivo, da ordem de US$ 8 bilhões de dólares e que, sua economia em crescimento apresenta uma continuada oportunidade de ganhos para suas empresas.

Com uma economia cambaleante, com o maior déficit público de sua história, com um déficit comercial gigantesco e com um desemprego de cerca de 9%, os formadores estratégicos americanos escalaram o seu simpático presidente como vendedor ambulante para alavancar maiores oportunidades ao seu setor produtivo, tendo em vista as próximas eleições presidenciais nos EUA.

Deve-se aqui diferenciar totalmente a simpática figura pessoal do presidente da política dos interesses econômicos e políticos que ele representa. Para os americanos, continua a vigorar o velho jogo da soma zero: a nossa perda é o seu ganho. Querem vender, mas não querem comprar. Veem o nosso progresso, mão não aceitam a nossa influência. Não nos respeitam como interlocutores independentes.

Querem que pratiquemos o livre-comércio, mas mantém seus mercados fechados seletivamente nos setores em que nossa economia é competitiva. Mandam-nos compensar o déficit comercial que temos com os EUA diante de terceiros países, ignorando o diálogo bilateral, que é exatamente o que buscam fazer com a China. Mantém ainda o velho desprezo ao que somos e a sua infame arrogância imperial.

Em suma, desejam do Brasil que se conforme em ser um parceiro igual, a significar na sua visão que o País atenda perfeitamente a todos os interesses econômicos dos EUA e que se conforme com a indiferença tradicional americana aos objetivos e anseios do povo brasileiro.

Isso passa, é claro, pela aceitação pelo Brasil da manipulação do dólar americano pela enxurrada de emissões do Tesouro dos EUA, que esperam ser aceita sem discussões, como manifestação da soberania do seu país. No entanto, no relacionamento com a China, os EUA exigem a modificação de sua política cambial, de atrelamento ao dólar!

Assim, nada de se tratar do reconhecimento da importância do Brasil nos organismos multilaterais, onde informalmente ela já se verifica. Portanto, nada de diálogo sobre a participação do País como membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, na reforma estrutural que se impõe.

De mais a mais, não se cogita da eliminação do humilhante sistema de vistos para os brasileiros que surpreendentemente insistem em visitar os EUA. Não se trata tampouco da situação precária dos brasileiros que vivem nos EUA, sujeitos a abusos múltiplos e arbítrios de toda ordem.

Enfim, como sempre, querem os EUA impor a sua própria agenda ao Brasil, como fizeram sistematicamente no passado e tentaram, sem sucesso promover com a malfadada iniciativa da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), felizmente sepultada.

A visita do presidente Obama ao Brasil foi mais um exercício de propaganda do governo americano que um evento marcante no relacionamento bilateral entre os dois países. Devemos atentar para o fato de que a tentativa de diálogo com os EUA é sempre um exercício importante, mas que seus resultados práticos do exercício são quase sempre adversos, quando não nefastos, para os interesses do Brasil.