A advocacia na Índia

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 30 de novembro de 2005.

NOVA DELHI – Com mais de 1 bilhão de habitantes, a Índia é conhecida como a maior democracia do mundo, desde o rompimento dos grilhões do colonialismo inglês, em 1947. A Constituição da Índia, de 26 de novembro de 1949, com 395 artigos e 11 anexos, é também a mais extensa do mundo, maior até do que a Constituição brasileira, o que se explica pela enorme diversidade étnica, cultural, religiosa e lingüística do país. As constituições de ambos os países têm muitos pontos em comum, inclusive normas sem eficácia.

O Estado indiano, também à semelhança do Brasil, é organizado de forma federativa, com 27 estados. Contudo, o regime é parlamentar, com duas câmaras legislativas e o chefe do poder executivo é designado presidente, conforme o artigo 52 et seq. da constituição da Índia. Como no Brasil, o Poder Judiciário é estruturado na área federal e na área estadual. O mais alto tribunal do país é a Suprema Corte, com um total de 25 ministros, um dos quais o seu presidente ou Chief Justice of Índia, conforme o artigo 124 et seq..

Não obstante seja o hindi a língua oficial da Índia, ex vi do disposto no artigo 343 da Constituição da Índia, os trabalhos do parlamento, bem como aqueles da Suprema Corte e os do circuito federal, são conduzidos na língua inglesa. Há na Constituição um dispositivo que autoriza o uso transitório da língua inglesa (art. 343,2), mas a realidade do país é que o inglês tornou-se a “língua franca”, já que são falados centenas de idiomas em seu território.

Por conseguinte, as aulas nas faculdades de Direito do país, tanto nos cursos de graduação, como nos de pós-graduação, são dadas na língua inglesa. Há cerca de cem cursos jurídicos na Índia, um número bastante inferior ao do Brasil. A profissão legal é regulada no país pelo Advocates’Act 1961, que reza no sentido de que qualquer cidadão indiano com curso de direito reconhecido pelo Conselho da Ordem dos Advogados e com mais de 21 anos de idade poderá se inscrever como advogado. Contudo, o artigo 24 (1) a daquele diploma legal faculta ao estrangeiro o acesso à advocacia, na base do regime da reciprocidade. Não há o exame da Ordem dos Advogados para o ingresso à profissão.

Há mais de um milhão de advogados (advocates) na Índia, o que faz com que o país tenha o segundo maior número de profissionais do direito no mundo, depois dos Estados Unidos da América. O Brasil está em terceiro lugar, com cerca de 750 mil advogados, dos quais aproximadamente 90% foram admitidos à profissão após o exame conduzido pelas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil. O advogado típico indiano é um generalista que exerce a profissão só, na área contenciosa. Seus escritórios, muito modestos, são denominados câmaras (chambers). São poucos os profissionais que se reúnem em sociedades de advogados para a atividade consultiva e contenciosa.

A legislação indiana de regência não defina com clareza se os atos privativos de advogados são apenas os atinentes à representação em Juízo ou se compreendem igualmente a consultoria especializada. A matéria encontra-se, presentemente, sub judice perante a Suprema Corte, após uma decisão do Tribunal de Bombain no sentido de que a consultoria especializada é, de fato, uma atividade privativa dos advogados.

A questão é, evidentemente, de grande relevância para a classe jurídica, da mesma forma que para a proteção do público consumidor. O assunto torna-se ainda mais importante dado o enorme interesse dos grandes escritórios internacionais de advogados em conquistar, como cruéis predadores, os mercados domésticos dos países em desenvolvimento, com prejuízos à economia, o acesso à justiça e à ordem jurídica destes últimos.

A Índia tem sido o principal aliado comercial estratégico do Brasil em questões no âmbito multilateral do comércio. Foram ambos líderes do Grupo dos 11 na Rodada Uruguai do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) e são ambos coordenadores do Grupo dos 20 na esfera das negociações da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio), presentemente em andamento. A corrente bilateral de comércio entre os dois grandes países emergentes superará a marca dos US$ 3 bilhões neste ano.

É mais do que chegado o momento para uma cooperação mais próxima entre os advogados dos dois países.