Publicado na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jbonline.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil, caderno Internacional, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22 de outubro de 2006.
Londres – Por muitos anos, sofreram os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, com a depreciação dos preços das mercadorias agrícolas. As razões dessa anomalia eram originárias principalmente nos subsídios agrícolas praticados pelas principais economias, notadamente nos Estados Unidos da América (EUA), União Européia (EU), Japão e Suiça. De fato, enquanto os países desenvolvidos alardeavam com hipocrisia as virtudes do livre comércio praticavam eles, em realidade, trocas administradas.
O descalabro chegou a tal ponto que os EUA deixaram de ser uma economia de mercado no setor agrícola e alguns de seus programas ilegais de subsídios (face ao direito internacional), ao garantir preços mínimos aos produtores domésticos, causavam o aviltamento dos valores de mercado. Dentre os muitos efeitos nefastos das políticas de subsídios está a propagação da miséria, nos países em desenvolvimento, e a penalização do consumidor e do contribuinte, nos países desenvolvidos.
Ao contrário do que se poderia imaginar, não foi o regime multilateral do comércio, hoje capitaneado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a liberalizar as trocas agrícolas e promover a recuperação dos preços das mercadorias do campo, mas sim a crise energética e as medidas necessárias para minimizar o seu impacto econômico e também ambiental. A OMC continua a servir aos países ricos e a promover sua prosperidade seletiva.
Assim, em primeiro lugar foi a valorização desmedida do preço do petróleo, causada em parte pela instabilidade política em muitas das áreas produtoras, que levou muitos países a seguir a liderança do Brasil na área da bioenergia, obtida por iniciativas que datam de há décadas e foram causadas pela escassez do produto em nosso país. A UE, por exemplo, promulgou uma diretiva neste ano determinando que, até 2010 o combustível utilizado nas estradas do bloco deverá prover, em 5.75%, da biomassa.
A França, por sua vez, aumentou sua meta respectiva para 7%, que pretende atender apenas com a produção doméstica. Igualmente, a Alemanha tem metas mais ambiciosas que as estabelecidas pela UE. Nos EUA, a Califórnia também almeja resultados semelhantes até 2010. Contudo, muitos países não têm os recursos naturais (terra, água e clima) para uma grande expansão de sua atividade agrícola de tal maneira a atingir metas de impacto.
Curiosamente, portanto, parece que o problema dos subsídios agrícolas, que se agrava constantemente desde a criação do regime multilateral do comércio, em 1947, poderia estar caminhando para uma resolução, já que os países que o praticam, como a UE e os EUA, poderão destinar sua produção para a matriz energética, ao invés de jogá-la nos mercados de consumo alimentar. Esse destino contribuiria para a correção dos preços para maior, ao mesmo tempo em que permitiria o maior acesso das mercadorias agrícolas de produção estrangeira.
Um outro fator que está a contribuir para o aumento dos preços dos produtos do campo é o aumento do consumo interno na República Popular da China, gerado por seu consistente crescimento econômico, e com o total desgravamento das importações a partir deste ano, conforme compromisso assumido no acordo de acessão à OMC, e à expressiva diminuição crescente da participação do setor agrícola no PIB do país.
Tal situação tende a beneficiar grandemente o Brasil, país com tradição no agronegócio, dotado de abundante oferta de terra e de água, com bom clima e disponibilidade de mão de obra. Mais ainda, nosso país desenvolveu uma tecnologia avançada para o processamento energético de biomassa, que foi absorvida já em grande parte do território nacional. Esse patamar poderá servir para ulteriores desenvolvimentos tecnológicos, que poderão ser partilhados comercialmente com outros países.
A oportunidade que se apresenta é extraordinária e poderá ser responsável por um enorme surto de crescimento nacional, com aumento generalizado da renda privada e da arrecadação pública. A dimensão dessa oportunidade, contudo, requer um acurado planejamento governamental, com metas de produção e investimentos de infra-estrutura necessários a viabilizar a comercialização nacional e internacional das mercadorias produzidas no país. Seria uma tragédia deixá-la passar.