Palestra proferida no Tribunal Europeu do Ambiente em 26 de outubro de 2006, em Trancoso, Portugal.
Congratulo-me como os organizadores do seminário multidisciplinar “As Origens do Futuro”, em que diversos especialistas procuram projetar, nas suas respectivas áreas, os fundamentos e tendências dos próximos tempos. O importante exercício evoca-me a memória daquele grande pensador renascentista luso-brasileiro, o Padre Antônio Vieira e, em particular, sua obra “História do Futuro”. Coube a mim discorrer sobre a área legal. Para tanto, transportei-me para o ano de 2106.
O conflito militar havido na primeira metade do século 20, desde o início da década de 1930, na Ásia, e posteriormente na Europa, a partir de 1939, tornou-se conhecido como a Guerra de Libertação Nacional, na China; como a Grande Guerra Patriótica, na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ou ainda, mais amplamente, como a Segunda Guerra Mundial.
Uma das principais causas do conflito fôra o disparatado tratado internacional, conhecido como a Convenção de Versailles, que regulava os termos e condições impostos aos vencidos de uma guerra anterior, no período de 1914 a 1918 (3) , e impunha aos sujeitos do imperialismo então prevalecente, que compunham a maioria da população global, uma ordem juríca draconiana. Tal ordem jurídica sustentava uma estrutura colonial e imperialista, dividida em áreas de influência entre três principais potênciais, o então Estados Unidos da América (EUA), o então Reino Unido, e a então República Francesa.
Durante toda a primeira metade do século 20, tanto durante as conflagrações armadas como fora delas, grandes abusos foram cometidos contra os direitos individuais e coletivos de vastos contingentes populacionais. Nas regiões outrora conhecidas como Índia e África do Sul, continuavam os povos subjugados pelo regime imperialista do então Reino Unido. A região do Oriente Médio foi retalhada para maior conveniência imperialista na exploração de uma mercadoria que se tornaria preciosíssima, mas hoje extinta, chamada petróleo.
Na China, uma parte importante do território era ocupada pela potência na época conhecida como o Império Japonês. Nas Américas, o então EUA tomava as primeiras medidas de expansão imperial com a consolidação dos territórios tomados ao então México, que representavam dois terços da área original deste e assentavam-se em Porto Rico, em Cuba, no Havaí e nas Filipinas, como eram conhecidas tais regiões naquele momento.
Grandes massacres de populações oprimidas tomaram lugar no período. Na África, o jugo impiedoso do colonialismo foi responsável por uma mortandade generalizada e pelo extermínio sistemático em regiões como aquela então conhecida como o Congo, pelo poder europeu então denominado Bélgica. Na Ásia Menor, a população de etnia armênia foi substancialmente eliminada por agentes da então Porta Sublime ou Turquia. Na Ásia, os chineses foram submetidos a atrocidades enormes pelos ocupantes japoneses. Na Europa Central, tanto criminosos políticos ou de opinião, como judeus estiveram sujeitos a regimes sistemáticos de eliminação, o que ficou conhecido, no último caso, como a Shoah, ou o extermínio.
Dessa maneira, com o término da chamada Segunda Guerra Mundial, em 1945, as potências vencedoras procuraram buscar um denominador comum com o objetivo de estruturar uma nova ordem mundial que limitasse os abusos havidos até então. Ocorre que o mundo apresentava-se naquele momento histórico dividido entre duas ideologias principais e antagônicas.
De um lado, situavam-se os então EUA, Reino Unido e França, que praticavam um capitalismo até certo ponto privado e que se organizavam politicamente com base no sufrágio universal. De outra parte, ainda dentre os vencedores, estavam as então URSS e China, esta ainda em processo de transformação que se consolidaria em 1949, com um regime de capitalismo de Estado e com organização política fundada da liderança de um partido, chamado comunista.
Os vencidos, os então Alemanha, Itália e Japão, não fizeram parte daquele exercício de modelação de uma nova ordem internacional, nem muito menos os Estados representativos de vasta parcela da população mundial da época. Assim, o direito internacional desenvolvido naquela ocasião e concebido para regulamentar a nova ordem caracterizou-se, nas palavras de um eminente professor do período, por seu caráter “basicamente oligocrático, isto é, concebido por um pequeno grupo de grandes poderes para servir e para legitimar seus próprios interesses (4)”.
O sistema jurídico internacional então produzido tinha no seu ápice a chamada Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada em 1945. Posteriormente, na década subsequente, todo um sistema de direito internacional foi criado mediante convenções diversas e organismos multilaterais vários. A maioria dessas convenções, e bem assim as organizações internacionais criadas, tiveram a inspiração dominante dos EUA, então novo poder imperial, e do extinto Reino Unido, o decadente poder imperial do período, e novo estado-cliente do primeiro.
Dessa maneira, foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), através os chamados Tratados de Bretton Woods, de dezembro de 1945. Igualmente, foi assinado, em 1947, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que oferecia o ordenamento jurídico multilateral atinente a questões de comércio internacional. Esses tratados, epistula non erubescit, objetivavam a manutenção do protagonismo econômico e financeiro das potências hegemônicas e, em última instância, a promoção da prosperidade seletiva de uns poucos, em detrimento dos muitos.
Por outro lado, no final de 1948, a ONU aprovava a Declaração Universal dos Direitos Humanos e se assinava a Convenção para a Prevenção e Punição do Genocídio. Em 1949, foram assinadas as quatro Convenções de Genebra para a Proteção das Vítimas de Guerra. Posteriormente, evoluiu-se na formulação do direito internacional com um grande número de tratados visando a limitar a proliferação e a exercer o controle de armas nucleares, a promoção dos direitos humanos, dentre outros.
Assim, verificou-se que, dez anos após o final da Segunda Guerra Mundial, havia-se construído uma incipiente ordem jurídica internacional, embora com muitas limitações. Nessa ordem jurídica, verificava-se a tutela de alguns direitos humanos básicos, bem como a preocupação em se manter a paz mundial, então ainda mais relevante, em razão do desenvolvimento das armas nucleares pelos blocos hegemônicos em oposição.
Contudo, os direitos humanos de segunda geração, como aqueles relacionados ao desenvolvimento econômico, ao usufruto de uma razoável qualidade de vida, a oportunidades igualitárias de crescimento, deixaram de ser considerados. Decorreu como corolário necessário dessa situação uma injusta concentração de renda nos países componentes do sistema de controle global, tanto aqueles dominantes como os periféricos, situados no hemisfério norte, de uma maneira geral. Por outro lado, 80 por cento da humanidade entrou numa espiral negativa de queda na miséria.
Com o colapso da URSS em 1991, através o Tratado de Alma Ata, deixaram de existir os instrumentos de contenção dos EUA, já que a ordem jurídica internacional ainda não era forte o suficiente para opor um obstáculo de monta. Mais ainda, os estrategistas daquele país vislumbraram a oportunidade de impor um jus imperium, uma ordem jurídica unilateral, ao resto do mundo.
Antes disso, o país então conhecido por EUA abandonou o esforço de desenvolvimento do direito internacional. Assim, muitos importantes tratados internacionais que se procurava formatar naquele período deixaram de ser assinados ou ratificados pelos EUA. Dentre eles, encontravam-se, inter alia, o Protocolo de Kyoto, sobre a importante questão do meio ambiente, que já se tornara crítica; o Tratado de Banimento de Armas Químicas; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres; a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança; e os Estatutos de Roma do Tribunal Penal Internacional.
Por outro lado, a ação internacional dos EUA e de seus estados-clientes passou a violar sistematicamente inúmeros tratados internacionais, como ocorreu na invasão ilegal do então Iraque, em flagrante violação ao disposto no artigo 2(4) da na ocasião vigente Carta da ONU.
Essa ação militar ilegal tornou-se um marco por desencadear não apenas uma série de violações a importantes tratados internacionais, mas igualmente pela supressão das liberdades individuais no regime doméstico dos agressores. A tortura foi institucionalizada pelos EUA e pelo Reino Unido, que reestabeleceram a regra do Manual dos Inquisidores de 1376 (5), que regia: omnes torqueri possunt, ou todos podem ser torturados.
Naquele conflito do Iraque, as forças de ocupação, tyranni absque titulo, sem legitimação, num período de 3 anos responsalizaram-se pela morte de 650 mil habitantes do país, naquilo que se caracterizava plenamente de acordo com a legislação internacional de regência da época como crimes contra a humanidade.
Os EUA, por volta de 2006, tinham quase mil bases militares espalhadas pelo mundo todo, em algumas das quais, como na de Guantanamo, a tortura era religiosamente aplicada. Prisioneiros eram transportados para sessões de tortura em bases situadas fora de seu território. O seu poderio militar, inclusive nuclear, excedia a força combinada de todos os demais países do mundo de então.
Também naquele annus horribilis de 2006, o Congresso dos EUA aprovou uma lei que suspendia o Bill of Rights, de grande tradição, acabando com o habeas corpus, convalidando a tortura, cerceando o direito de defesa, legitimando o uso de provas obtidas ilegalmente, autorizando a prisão sem culpa formada e conferindo ao presidente do país o poder de “interpretar” convenções internacionais. Um sistema de busca eletrônica foi desenvolvido pelas universidades de Cornell e Utah, para permitir o policiamento de opiniões internacionais. As escutas telefônicas foram legalizadas. No Reino Unido, foi criado um sistema de delação de idéias nas universidades.
No mesmo ano infausto de 2006, o governo dos EUA declarou sua soberania sobre o espaço sideral e seu congresso aprovou a construção de um muro de 1,300 quilómetros na fronteira com o então México, país que era parceiro do primeiro na malsinada iniciativa de comércio denominada Tratado de Livre Comércio da América do Norte, mais conhecido pelo acrônimo NAFTA, de sua denominação na língua inglesa. Embora o objetivo declarado do NAFTA tenha sido o de disseminar a prosperidade pelo comércio, o objetivo oculto, e real, foi o de alavancar a prosperidade dos agentes comerciais dos EUA de uma maneira que veio a causar a crescente miséria do povo mexicano.
Assim, a emigração, geralmente ilegal, de seus habitantes miseráveis passou a ser a maior atividade econômica do México. A remessa financeira desses emigrantes passou a ser maior do que os investimentos estrangeiros recebidos por aquele país. Para tentar conter o fluxo dos imigrantes ilegais é que se decidiu construir o chamado Muro da Infâmia, guarnecido por tropas regulares e irregulares dos EUA, bem como por milícias de vigilantes, toleradas pelas forças da ordem.
Para todos os países então chamados em desenvolvimento, a emigração passou a ser a única esperança, ainda que ilegal. De fato, com a formatação econômica injusta da Organização Mundial do Comércio (OMC), que sucedera ao GATT, dava-se a concentração de riquezas nos então chamados países desenvolvidos. Os miseráveis em migração passaram a ser dezenas de milhões.
Estima-se que, já no longínquo ano de 2006, cerca de 100 mil desesperados chegavam por mês à então Espanha. Largos contingentes humanos chegavam também por barcos ao território da então República Italiana. Outros chegavam constantemente em movimentos legais, como no turismo, para entrar posteriormente na clandestinidade.
Esse movimento humano não tinha precedentes desde o ano de 376, quando o então Império Romano permitira o assentamento dos Vândalos e Gôdos em seu território, sob a enorme pressão das massas em movimento. Foi essa mesma população que posteriormente derrotou os Romanos na batalha de Adrianópolis, em 378, tendo então se iniciado a época da chamada Primeira Idade das Trevas.
Tal como ocorrera em 376, a migração do final do século 20 e início do século 21 trouxera uma alteração de ordem étnica, cultural e religiosa, com relação à estrutura até então prevalecente. Muitos países da Europa passaram a receber imigrantes de suas colônias do passado. Assim, elementos de fé muçulmana oriundos do Oriente Médio e África estabeleceram-se, principalmente, nos países então conhecidos como França, Espanha e Reino Unido, alterando as relações sociais e gerando crescentes conflitos internos. Nos EUA, os imigrantes vieram principalmente de suas quase colônias na América Latina, mas também da Ásia.
A partir do fatídico ano de 2006, o poder do Império Americano passou a se erodir naquilo que fora o principal alicerce de sua prosperidade: sua moeda, o chamado dólar americano. De fato, sucessivos governos dos EUA induziram uma prosperidade ilusória aos seus habitantes através da contínua deterioração dos fundamentos macro-econômicos do país. Assim, o déficit comercial dos EUA, que fora de US$ 688 bilhões em 2004, passou a US$ 742 bilhões em 2005 e a US$ 1 trilhão em 2010. O país passara a importar mais do que exportava.
Ao mesmo tempo, o déficit orçamentário dos EUA chegara a US$ 400 bilhões em 2006 e a 800 bilhões em 2010. O passivo líquido do país chegara a US$ 3,6 trilhões em 2006, o que representava 28% de seu PIB. Por sua vez, diversos países acumulavam enormes reservas monetárias denominadas em dólares americanos, investindo-as em títulos do tesouro dos EUA. Essa equação tresloucada, permitia a continuidade do comércio mundial baseada na ficção de que o dólar americano representava um valor de troca.
Em 2006, a então China possuia reservas de mais de US$ 1 trilhão aplicados em títulos dos EUA. Outros bancos centrais possuíam cerca de US$ 11 trilhões. A economia da China desenvolvia-se naquela época a taxas de aproximadamente 10% ao ano, crescimento que era, em grande parte, sustentado pelas vendas aos EUA. Contudo, China e EUA eram rivais estratégicos.
A China fazia parte de um grupo com outros grandes e populosos países em desenvolvimento, como o então Brasil, a Índia e a África do Sul, dentre outros, que buscavam um mundo multipolar e o fortalecimento de um regime multilateral que permitisse uma divisão de responsabilidades mais equitativa e um crescimento econômico e desenvolvimento social disseminado por todos os países.
Com o aumento das tensões internacionais, no início da década de 2010, a China e outros países credores passaram a exercer pressão sobre os EUA para um aumento das taxas de juros dos empréstimos internacionais. O serviço da dívida dos EUA atingiu um patamar insustentável e seu governo decidiu desvalorizar dramaticamente sua moeda. Como a dívida dos EUA era denominada em dólares, ela diminuiu proporcionalmente com o percentual da desvalorização.
Contudo, o dólar americano deixou de ser aceito nas transações correntes internacionais e passou a ser uma moeda não conversível. O grande crash de 2016, como ficou conhecido, eliminou da noite para o dia cerca de 60% do PIB dos EUA e lançou o país na miséria. As empresas americanas já combalidas pela crise moral de gestão sucumbiram e as bolsas de valores fecharam as portas, por falta de negócios. A crise econômica que se seguiu em muito superou aquela que havia ocorrido em 1929 e teve um caráter verdadeiramente global.
De um modo geral, decorreu a fragmentação do poder político mundial. O primeiro organismo multilateral a sucumbir foi a própria ONU, seguido pelos demais. A sede da ONU, na então Nova Iorque, foi dinamitada pelos EUA em 2016 e, no seu lugar, foi erigido o presídio 1 de maio, em homenagem ao feriado que o país nunca teve. O espaço resultante foi transformado num novo e dantesco asilo de loucos internacionais especializado em receber advogados, diplomatas, religiosos e juristas de todas as nacionalidades, e a eles dispensar constante tortura personalizada.
Nos EUA, instalou-se primeiramente um regime pretoriano, que se seguiu a um golpe de estado. Um dos primeiros atos da junta militar que governava o país foi a queima do acervo da antiga Biblioteca do Congresso. Esse regime espúrio instalou campos de concentração no território do país para abrigar seus habitantes culpados de crimes políticos, crimes de opinião, crimes morais, desvios de pensamento, desvios religiosos, desvios sexuais, desvios estéticos e desvios de humor, dentre outros.
Tais campos de concentração, de triste memória, ficaram conhecidos como Bush Camps, em honra de um presidente daquele país que se chamava George W. Bush e que reunia como características o poder destruidor de Nero, a devassidão de Calígula e a inteligência de Incitatus. Os Bush Camps eram organizações privatizadas e geridas necessariamente pelas empresas que haviam perdido os lucrativos contratos do então Iraque, por força do Ato Institucional Patriota, da junta militar que governava o país.
Em seguida, ainda nos EUA, deu-se o rompimento do Muro da Infâmia, por milhões de homens, mulheres e crianças desesperados pela fome. Houve a secessão da então chamada República Califórnia de Nosotros, seguida pela da República da Nova Inglaterra, e pela República da Nova Libéria, que teve como capital Malcom X, novo nome de Washington.
Na Europa, deu-se a criação das repúblicas islâmicas no sul do continente, incluindo a de Novo Andalus, onde se situavam as regiões mediterrâneas de Portugal e Espanha. Isso ocorreu após o desembarque das populações que tripulavam muitos barcos, movidas pela miséria que lançou mais de mil navios, nas praias de Marbella, Algarve e Óstia, esta vizinha a Roma, depois denominada Nova Cártago. Retomou-se, a duras penas, a atividade agrícola intensiva no continente europeu, com um êxodo para o campo.
No então Reino Unido, deu-se a privatização do Parlamento em 2016, conforme decisão do Perpetual Protector, Tony Blair, que retornara à política. O Rei, Charles III foi afastado do trono após a publicação de seu livro “Como obter satisfação sexual no diálogo com as plantas”, prontamente queimado com todos os demais. Em seu lugar, foi instalado um rei virtual, um computador denominado Deep Monarch. Os centros subversivos de Cambridge e Oxford foram transformados em casernas para a polícia do pensamento, da moral e do comportamento.
Na África, deu-se a reversão ao tribalismo. Houve um aumento da desertificação causada pelo efeito estufa, sentido em todo o planeta, mas particularmente naquele continente. Registrou-se, ainda, uma redução expressiva da população, aniquilada pela SIDA, pela malária e, principalmente, pela fome. No continente africano, desapareceu o uso das línguas coloniais, que perderam espaço para os idiomas nativos tradicionais.
Os vastos territórios da América do Sul e América Central foram divididas em baronatos, capitanias, principados e repúblicas, muitos deles divididos por linhas étnicas. No limite meridional do nordeste do então Brasil, por exemplo, instalou-se a República Negra do Axé, com capital em Zumbi, nova denominação de Salvador. A floresta amazônica retomou áreas que haviam sido convertidas em plantações. O semi-árido do nordeste brasileiro transformou-se no deserto da caatinga. Naquilo que foi a Argentina, criou-se na região metropolitana de sua capital o estado da Capitania Lunfarda, sob a liderança do Caudilho Máximo.
No Oriente Médio, ao contrário, houve uma concentração política, também ao longo das linhas étnicas e religiosas, seguindo-se à divisão do território que tinha sido do então Iraque, entre a Síria e o Irã. Ao sul, os reinos da região, com formação artificial datada da Convenção de Versailles, foram derrubados e reunidos sob o então chamado Califado Al Qaeda, que tinha por capital a cidade santa de Osama Bin Laden.
A China cindiu-se nos reinos que já havia conhecido e, como no passado, passou a viver um período de conflitos e a favorecer uma economia de subsistência. O aterrador deserto de Gobi avançou quase até Nanjing, ocupando áreas outrora destinadas à agricultura. Foi instaurada a loteria família, que contemplava os casais premiados com o direito de ter um filho, reservado apenas aos participantes do sorteio.
Por sua vez, nos territórios da então Rússia, o Czar Putin I faleceu após a realização do seu grande sonho de Estado: a aquisição do Barcelona F.C. Seus herdeiros foram responsáveis pela criação de uma estrutura neofeudal, e se restabeleceu a servidão. O Japão fechou-se, mais uma vez, e foi cindido em baronatos. Na Índia, foi criada a República Dalit, com sede em Gurajin, nome da antiga Mumbai, dado em homenagem a Gandhi. O estado de Bangaladesh dissolveu-se em acentuada anarquia, sem que sua ordem política tivesse sido substituída por outra. Iniciou-se, então, em todo o planeta, sem exceção, o período conhecido como a Segunda Idade das Trevas.
Por volta do annus mirabilis de 2048, como todos sabemos, houve um movimento de diversos homens de grande saber e oriundos de todas as regiões do globo, que vislumbraram a necessidade da promoção do Humanismo, baseada no axioma de que o requisito necessário para a realização de tal difícil empreendimento seria, em primeiro lugar, a abolição do Estado nacional.
Uma vez atingido o consensus humani generis a respeito, em segundo lugar, acordou-se na construção de uma ordem política e jurídica internacional fundada no Homem e nos seus direitos. Desenvolvia-se o verdadeiro Humanismo. Era o que se chamava renovatio ou rinascita e para tanto repetiram o que dizia a antiga e sopesada Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 1, mas sem que jamais tivesse sido cumprido: “todos os seres humanos nascem livres e são iguais em dignidade e direitos”. Foi o início da era de grande equilíbrio, justiça e prosperidade em que vivemos hoje, no ano de 2106.
A história mais recente é já de todos por demais conhecida, assim deixo de me estender em como chegamos ao Novo Iluminismo de nossos dias, em pleno século 22, evocando apenas o que dissera o poeta romano Horácio, citado por Kant, um dos pensadores do primeiro Iluminismo: sapere aude ou saber entender.
Senhoras e Senhores, muito obrigado.
1 Texto básico da palestra proferida em Trancoso, Portugal, em 26 de outubro de 2006, por ocasião do seminário “As origens do futuro”.
2 Advogado qualificado no Brasil, Inglaterra e Gales, e Portugal. Sócio principal de Noronha Advogados. Árbitro do GATT, OMC e CIETAC. Professor de pós-graduação em direito do comércio internacional. Autor de 39 livros, incluindo O Novo Direito Internacional Público e o Embate contra a Tirania (2005).
3 Também conhecida como a Primeira Guerra Mundial.
4 J.P. Ridruejo, Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales ( Editorial Tecnos, Madri, 1996).
5 De Nicolau Eymerich.