Publicado no jornal DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços, caderno Justiça e Legislação, São Paulo, SP, Brasil, 14 de novembro de 2007.
A recente crise financeira desencadeada nos EUA (Estados Unidos da América), a partir do mês de agosto de 2007, poderá implicar em perdas havidas nas quedas dos preços dos valores dos ativos hipotecários da ordem de US$ 400 bilhões, valor do PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina, segundo cálculos de responsáveis analistas do mercado.
Como conseqüência, as perdas dos bancos americanos e de certos bancos suíços que seguiram o triste exemplo dos primeiros tornaram-se massivas. O Citibank, por exemplo, admitiu ter em sua carteira nada menos de US$ 43 bilhões em créditos hipotecários securitizados, o que irá implicar em perdas de aproximadamente US$ 10 bilhões neste quadrimestre, segundo dados da imprensa especializada.
Assim, tardiamente, pois a crise financeira com os ativos hipotecários já havia sido prevista há anos, as agências de classificação de risco passaram a reduzir a qualidade dos ativos securitizados e dos bancos envolvidos no carnaval financeiro dos EUA. Tal novo fracasso nos leva a questionar os critérios, os valores, a atuação e a própria validade dos serviços prestados por tais agências para o público investidor e para os mercados em geral.
Na realidade, são hoje mais de 100 agências de classificação de risco existentes no mundo, das quais apenas uma tem o capital aberto. Elas têm em comum a pouca transparência e, como a recente crise amplamente demonstrou, uma capacidade de previsão muito baixa, apenas reativa, o que compromete sua própria razão de ser.
Há muito se critica acertadamente a atuação dessas agências pelo etnocentrismo. Seus analistas são quase sempre pessoas com pouca experiência internacional e com uma visão distorcida pelo provincianismo de Wall Street. Dentre os cânones que orientam sua atuação está o de que nada pode ocorrer de errado com a economia dos EUA e com seus principais agentes, financeiros ou não.
Dessa maneira, e para agravar a situação, como os referidos analistas têm a mesma origem, tanto nacional como acadêmica, dos operadores financeiros, há entre eles um relacionamento incestuoso que prejudica a capacidade de fria análise e, por conseguinte, da prestação de um confiável serviço de classificação de risco, para o público investidor.
A própria atividade das agências de classificação de risco surpreendentemente apenas teve um código de conduta em dezembro de 2004, portanto há menos de três anos, no âmbito da Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários (Iosco). O código de conduta da Iosco preocupa-se com três princípios básicos: a qualidade e integridade do processo; a independência dos agentes; e a responsabilidade perante o público investidor e emissores de valores mobiliários.
A recente crise já demonstrou cabalmente que a qualidade das análises das agências classificadoras de crédito foi irremediavelmente comprometida. Igualmente, ficou claro que as obrigações de divulgação tempestiva de suas análises não foram cumpridas. O tempo dirá se houve outras violações.