Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 09 de novembro de 2005.
SÃO PAULO – A chamada Cúpula das Américas, realizada em Mar del Plata, República Argentina, na semana passada e encerrada no sábado, dia 5 de novembro de 2005, confirmou a existência de um profundo fosso a dividir o ideário das Américas.
Esse repúdio é ominoso para a chamada Cúpula das Américas, que se realiza nesta semana na cidade argentina de Mar del Plata, com chefes de Estado de 34 países das Américas. Paralelamente à Cúpula das Américas, realizar-se-á a “Cumbre de los Pueblos”, ou a Anti-Cúpula das Américas, com representantes da sociedade civil dos povos perdedores na equação injusta e cruel da globalização, que promove a prosperidade seletiva de uns poucos em detrimento de muitos.
De um lado, posicionaram-se os EUA (Estados Unidos da América), com sua tradicional postura a privilegiar o unilateralismo nas relações internacionais, a seletividade econômica e a exclusão social. De outra parte, resistiram à agenda dos EUA os países do Mercosul, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, mais a Venezuela. Em posições diversas entre os dois pólos ficaram os demais países.
De fato, é inegável que os EUA promovem o unilateralismo numa escala global e não apenas no âmbito do foro regional. Por unilateralismo entenda-se o exercício arbitrário das próprias razões nas relações internacionais, o que implica na denegação do direito internacional. Por seletividade econômica deve-se reconhecer a influência decisiva dos agentes privados na formatação das posições negociadoras dos EUA. Tais posições contemplam uma visão predatória das relações comerciais internacionais em que prevalece o chamado jogo da soma zero, no qual o ganho de um é a perda do outro. A exclusão social resulta inexoravelmente para os perdedores desse cruel embate.
Por outro lado, os países do Mercosul defendem a prevalência do direito nas relações internacionais, da mesma forma que uma equação que promova a prosperidade coletiva e que atente para as assimetrias regionais e para a necessidade de promover o desenvolvimento econômico e social dos povos das Américas.
De fato, a contradição entre as partes não poderia ser maior e, a meu ver, absolutamente irreconciliável, ao menos no futuro de curto e médio prazo. Alguns agentes que procuram veicular a propaganda desenvolvida pelos interesses dos EUA reagiram, em primeiro lugar, para denegrir ou ridicularizar alguns dos protagonistas da não aceitação da agenda negociadora daquele país. Em segundo lugar, procuraram difundir a idéia de que o Mercosul e a Venezuela isolaram-se no âmbito continental.
A ridicularização ou demonização de figuras públicas é uma tática publicitária bastante conhecida e utilizada para desestabilizar governos perante a opinião pública nacional e internacional. É o que sucede com os repetidos e infundados ataques contra o presidente da Venezuela, Comandante Hugo Chavez.
Por sua vez, as alegações de isolamento são infundadas. Primeiramente, porque os países do Mercosul representam 75% da economia da América do Sul. Em segundo lugar, porque o comércio com o Mercosul é predominante para os demais países da região, incluindo-se aqui o Chile, a Bolívia e o Peru. Por sua vez, o México e o Canadá, que dependem das trocas comerciais com os EUA em cerca de 90% de seu comércio internacional, fizeram uma opção imposta pelo determinismo geográfico. Acho que foi Carlos Fuentes quem disse uma vez: “pobre do México, tão longe de Deus e tão perto dos EUA”.
Os demais países do continente vão querer tratar com todos os países que puderem, na árdua e imprescindível tarefa de promover o progresso econômico e desenvolvimento social de suas miseráveis populações. Da mesma maneira que os EUA firmaram acordos bilaterais ou regionais de comércio com esses países, o Mercosul poderá, como de resto já tem também celebrado, fazer o mesmo.
A opção pela Alca não é o caminho para se evitar o isolamento. É a senda, tanto certa como segura, do desastre.