Brasileiros temem chineses

Entrevista concedida a jornalista Samira de Castro ao Diário de Nordeste em 18 de maio de 2009, Fortaleza, CE.

Por: SAMIRA DE CASTRO

Os empresários nacionais são, de uma maneira geral, mais temerosos da competição chinesa do que entusiastas na busca de oportunidades existentes no país asiático. “Eles se preocupam mais com medidas artificiais de proteção comercial do que iniciativas pró-ativas do nosso governo para que as condições do custo brasileiro sejam mais compatíveis com a competição internacional, bem como ações de mercado na China para desenvolver a colocação de nossos produtos”, afirma Durval de Noronha Goyos Júnior.

Poucas empresas

Segundo Noronha, o número de empresas brasileiras na China, menor que 100, é inferior ao de companhias chilenas, próximo a 200, sendo que o Chile tem uma economia com tamanho equivalente à da cidade de São Paulo. “Apesar de ter a China se tornado o maior comprador de produtos brasileiros, não há nenhuma agência comercial de bancos brasileiros naquele país, mas apenas duas representações, que não podem realizar negócios”.

Hoje, nenhuma companhia aérea brasileira voa para o país oriental e, conforme Noronha, as gestões de promoção da cultura e produtos brasileiros na China são praticamente nulas. “Para que o empresário chinês possa conseguir obter um visto de entrada no Brasil, deverá passar por uma experiência humilhante e um processo vagaroso e burocrático”, afirma o advogado, especialista em Direito Internacional.
Pelo desconhecimento que o empresário chinês tem do Brasil, há uma resistência a fazer investimentos no País. Na avaliação de Noronha, a alocação de recursos no País por parte de empresários chineses propiciaria um aumento das vendas com valor agregado e maior atividade econômica interna.

Aquecimento

Durval Noronha acredita que a próxima visita do presidente Lula à China — iniciada ontem e que deve ser concluída dia 28 deste mês, passando também por outros países asiáticos — não deverá trazer benefícios de monta às relações bilaterais. “ Foi uma missão mal-preparada na formatação da agenda, desfocada dos pontos principais estratégicos nas relações comerciais bilaterais, e desorganizada por parte dos brasileiros, e no programa a ser por ela cumprido”, argumenta.

O advogado alerta que é importante que governo e empresários brasileiros dêem maior atenção à China e, assim, aos demais países da Ásia, porque é neste continente que ocorre hoje a retomada da economia planetária ante a crise mundial. “A partir da Ásia será formatada a nova economia para as próximas décadas”. (SC)

ATENÇÃO

“Empresários e governo brasileiro deveriam dar mais atenção à China, bem como a toda a Ásia”

China abre janela de oportunidade para o CE

A China já é o 8º parceiro comercial do Estado e desbancou os EUA, na liderança nacional por 80 anos

O Brasil está realmente inserido na dinâmica da nova ordem econômica mundial, que se desenha desde setembro de 2008 —, com o acirramento da crise financeira — e vem colocando a República Popular da China na posição de maior potência econômica do planeta. No âmbito das trocas comerciais, essa inserção pode ser constatada por uma alteração histórica: em março último, a China ultrapassou os Estados Unidos e é hoje o maior comprador de produtos brasileiros.

O resultado da balança comercial de abril confirma a nova posição chinesa e evidencia a quebra de 80 anos de liderança norte-americana na parceria comercial com o País. Em abril, as exportações para a China somaram US$ 2,231 bilhões, alta de 76,4% sobre igual mês de 2008, e as importações, US$ 1,0 bilhão, totalizando uma corrente de comércio de US$ 3,2 bilhões. Já os EUA compraram do Brasil US$ 1,340 bilhão e venderam US$ 1,477 bilhão, somando US$ 2,8 bilhões.
Para o Ceará, o aquecimento das relações sino-brasileiras representa uma janela de oportunidades comerciais nunca dantes vislumbradas. As exportações locais para o país de Mao Tse Tung somaram US$ 9,031 milhões, no primeiro quadrimeste ano, praticamente estáveis em relação a igual intervalo de 2008. A cifra coloca a China como oitavo principal parceiro do Estado, com participação de 2,7% dos US$ 340,6 milhões vendidos no exterior.

O fechamento da balança comercial cearense, em 2008, mostra que a China ocupou a 9ª posição no ranking dos países compradores de produtos locais, com US$ 24 milhões. A participação ainda é incipiente: 1,9% das vendas externas do Estado. Porém, analisando a série histórica, observa-se que, em 1999, a República comunista sequer figurava na lista dos dez principais parceiros locais. Era o 49º, com US$ 179 mil, dos US$ 576 milhões comercializados naquele ano.

Os números, de um estudo do Centro Internacional de Negócios (CIN), da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), mostram que, em quase uma década, a China ganhou 40 posições no ranking de compradores externos do Estado. Em termos financeiros, as vendas àquele país evoluíram 1.300% no período. Couros e peles, complementos alimentares, granito e castanha de caju são os principais itens fornecidos pelo Estado àquele mercado.

Para o advogado Durval de Noronha Goyos Júnior, uma das maiores autoridades mundiais em Direito Internacional, o crescimento da pauta comercial sino-brasileira pegou de surpresa o governo do Brasil e amplos setores empresariais do País, “que têm um desconhecimento enciclopédico sobre a China, alimentado, naturalmente, pelo preconceito”.

Segundo Noronha, o Ministério das Relações Exteriores tem mantido, desde 1974, “apenas uma meia dúzia de diplomatas no país oriental, sem conhecimento da língua chinesa e sem especialistas à altura dos desafios na área comercial, nas mesmas precárias instalações da época da Revolução Cultural”. “O posto na China não atrai os diplomatas brasileiros por deixar de ser chique, o que contraria o ethos do Itamaraty”, afirma.

Medidas do governo chinês ajudaram a espantar a crise

Pelas estatísticas do governo chinês, que adota metodologia diversa, os números da participação da China na balança comercial brasileira são ainda maiores. “É ainda significativo que a Ásia tenha superado a América Latina como parceiro comercial do Brasil”, completa Durval de Noronha Goyos Jr., que é árbitro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Comissão Internacional de Arbitragem Comercial da China (CIETAC). Para o especialista, as medidas internas de combate à crise na China causaram um impacto positivo nas exportações brasileiras.

“Muito maior do que as próprias ações tardias, desencontradas, trôpegas e pífias tomadas pelo governo do Brasil”, comenta ele. “Apenas em abril deste ano, mais de seis meses do desencadear da fase aguda da crise, o Banco Central reduziu a taxa Selic para 10,25%, o que coloca a taxa real brasileira próxima dos 5% ao ano, ainda uma das maiores do mundo”, diz. Na China, compara ele, as taxas de juros são hoje negativas em 0,5%. Como conseqüência, o real continua supervalorizado, o que prejudica as exportações brasileiras.

Outras medidas de apoio econômico na China, continua Noronha, tomadas em outubro de 2008, “quando o governo do Brasil ainda falhava de maneira dramática no diagnóstico do impacto da crise em nosso país”, fizeram com que a economia interna do país oriental continuasse aquecida.(SC)