Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 19 de dezembro de 2007.
Em meio a uma crise sem precedentes, no começo desta semana tiveram início os trabalhos da 34ª Cúpula de Presidentes do Mercosul, em Montevidéu, Uruguai. O bloco, uma meritória iniciativa, com resultados muito importantes tanto na área econômica quanto na área política, mostra sinais de ter esgotado o seu modelo idiossincrático e requer estrategistas de peso para uma reformulação ampla visando o seu desenvolvimento.
Uma demonstração inequívoca de tais sinais foi a falência do diálogo entre Argentina e Uruguai a respeito das fábricas de celulose neste último país. O fato repercutiu num mal estar entre as lideranças dos dois países meridionais, que comprometeu inclusive as gestões diplomáticas para o desenvolvimento da agenda comum do bloco.
Por sua vez, a falta de um mecanismo eficiente de resolução de disputas no Mercosul, fator que levou ao agravamento das tensões entre os dois países, é de responsabilidade exclusiva do Itamaraty, que tem de maneira consistente impedido o desenvolvimento quer seja de um tribunal regional, quer seja de um sistema eficaz de arbitragem.
Pelo modelo imposto ao Mercosul pelos diplomatas do Itamaraty, um agente econômico não pode acionar diretamente um outro país membro ou outro agente econômico privado no foro regional, sem a concordância e assunção do pleito pelo país do autor.
Esse tanto anacrônico quanto disparatado sistema tem o efeito de gerar crises entre Estados. De fato, ao encampar o direito de ação do particular, o Estado se coloca contra o outro Estado, dando uma dimensão de direito internacional público àquilo que seria uma questão privada. O mesmo ocorre quando no pólo passivo situa-se um setor econômico ou uma pessoa jurídica, que é substituída processualmente pelo Estado onde está situada.
Com o passar dos anos e o adensamento das relações econômicas dentre os países do bloco, o número de disputas privadas ou entre partes privadas e Estados tenderá a aumentar de maneira expressiva. Assim, o modelo atual será uma incubadora de crescentes crises políticas regionais. Com o provável futuro ingresso da Venezuela no Mercosul, tais crises políticas atingirão uma nova dimensão, o que prejudicará mais ainda a precária estabilidade do bloco.
Tendo criado um monstro gerador de crises internas na figura do sistema de resolução de disputas do Mercosul, o Itamaraty omitiu-se gravemente em deixar de mediar a questão das papeleras no seu início, o que implicou num fato consumado sem um acordo prévio, o que torna a situação ainda mais acrimoniosa.
Além da questão das disputas, o Mercosul reclama por uma reorganização cartesiana na estrutura de seu código tarifário de maneira que as inúmeras inconsistências lógicas e jurídicas sejam eliminadas. Para tanto, é preciso que se reconstrua a capacidade de diálogo, perdida na questão das fábricas de celulose existente entre Argentina e Uruguai.