Memória Indispensável – Resenha do livro A campanha da FEB pela libertação da Itália

Texto por Levi Bucalem Ferrari para o jornal “O Escritor” da UBE, São Paulo, 2013.

Durval de Noronha Jr. em “A Campanha da Força Expedicionária Brasileira pela Libertação da Itália’ (Cultura Acadêmica, São Paulo, 2013), opera mais um vigoroso trabalho de pesquisa e interpretação históricas. O autor já publicou 45 livros e centenas de artigos sobre direito, relações internacionais e comerciais, bem como sobre questões econômicas, sociais e políticas, todos muito bem escritos e estruturados sobre pesquisas sérias que dão conta dos temas com densidade e originalidade. Noronha, para nossa honra, é associado bastante ativo da UBE – União Brasileira de Escritores e membro de seu Conselho Deliberativo e Fiscal.

O livro aparece bem embalado por prefácio do Tenente-Brigadeiro-do-Ar Sérgio Xavier Ferolla e Posfácio do Dr. Walter Sorentino, médico e dirigente do PC do B. Na contra capa comentários de dois Intelectuais do Ano pela UBE, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e Prof. Dr. Luiz Alberto Moniz Bandeira; e pelo Embaixador do Brasil na Itália (2006-2009) Adhemar Bahadian. É dedicado ao sargento Ruy de Noronha Goyos, do Batalhão de Engenharia da FEB, herói nacional, portanto.

Neste livro, o autor se debruça sobre as vicissitudes que levaram o Brasil a engajar-se através de sua memorável FEB – Força Expedicionária Brasileira, composta de membros efetivos de nossas Forças Armadas e significativo contingente de voluntários, a atuar diretamente num dos principais cenários da Segunda Guerra Mundial em solo italiano. A obra inclui as causas, mobilizações, desempenho bélico e consequências desta arrojada aventura que nos custou milhares de vidas e um número ainda maior de feridos e traumatizados. Mas que, por outro lado, do ponto de vista bélico e até social, foi mais efetiva do que imaginavam os ditadores Benito Mussolini, da Itália e Adolf Hitler, da Alemanha. O heroísmo e a eficácia de nossos soldados também superaram em muito as expectativas dos demais aliados e de muitos brasileiros.

A FEB foi bastante além dos objetivos determinados pelo V Exército dos EUA, ao qual esteve vinculada. Nossos soldados realizaram número bem maior de missões das mais difíceis. Os aviadores p. ex. arriscaram suas vidas em vôos rasantes – únicos possíveis à época – expondo-se à poderosa bateria antiaérea alemã. Mesmo assim, realizaram mais missões do que o que lhes fora determinado. Os soldados em terra não deixaram por menos. E a comprovação está nas medalhas e honrarias que alguns deles receberam, tanto de nosso Comando quanto do Comando do Exército Americano.

Os brasileiros, vindos de todos os recantos do país, como determinara o então ditador Getúlio Vargas, tiveram treinamento insuficiente e com armas obsoletas, diferentes das que usariam no campo de batalha estas fornecidas pelos americanos. Acostumados ao clima tropical enfrentaram o rigoroso inverno europeu, usando roupas de brim – “brinzinho”, na afirmação de um dos depoentes entrevistados por Noronha – em temperaturas nunca imaginadas pela maioria de nossos soldados.

O livro traz antes uma extensa análise histórico–estrutural e das conjunturas econômicas, sociais e políticas que levaram países europeus a optarem por formas de governo totalitárias rompendo a linha evolutiva que, desde as revoluções anti-absolutistas do século XIX levavam a crer que o mundo caminharia numa linha reta em direção a repúblicas democráticas. De um lado, as monarquias parlamentaristas, como na Inglaterra e nos países nórdicos, p. ex. e, e de outro, o autoritarismo ultraconservador que empolgaram Portugal e Espanha, viriam desmentir essa teoria “evolutiva” deduzida do Iluminismo e transformada em crença pelo Positivismo. Se aumentarmos o escopo, teríamos que incluir o milenar militarismo japonês, e as “saladas de frutas” constituídas por “democracias” conservadoras e autoritárias na periferia da Europa e países da América, bem como nas colônias africanas e asiáticas, onde soberanos de fachada, tentavam camuflar a exploração pelas potências de matérias primas, recursos naturais e mão de obra barata senão escrava, constituindo capítulos que envergonham a história do mundo ocidental.

Mas, o que não se poderia imaginar, o que realmente extasiou a todos e se constituiu em desafio até para afinados analistas, foram: o inesperado expansionismo japonês numa Ásia desfigurada pelo colonialismo europeu; e, mais ainda, os regimes “totalitários”, novidades e aberrações históricas em pleno centro da civilização ocidental. Itália e Alemanha, países unificados tardiamente e impedidos de progredir pelo controle marítimo e comercial exercido pela Inglaterra, e pela hegemonia inglesa e francesa nas colônias da África, Ásia e Oriente Médio, sentiram-se compelidas a buscar o “espaço vital” tido como necessário ao escoamento de seus produtos.

Há diferenças importantes entre o que ocorreu na Itália e na Alemanha, mas isso fica para o leitor que encontrará no livro as explicações cabíveis. O que julgo necessário é a distinção entre autoritarismo e totalitarismo. O primeiro existe desde que o mundo é mundo, e se baseia principalmente na tradição. Já o segundo traz uma ideologia aparentemente nova e oposta às conquistas da civilização. Ambos desrespeitam as instituições e os direitos humanos, mas enquanto o autoritarismo desmobiliza (basta obedecer), o totalitarismo é exacerbadamente mobilizador (quem não está com o guia, está contra a pátria). Em outras palavras, no primeiro, o opositor teme a polícia; no segundo, teme ainda o vizinho, o parente, a comunidade. Pode temer, como denunciou o dramaturgo Bertold Brecht, o próprio filho (Terror e Miséria no III Reich).

Haveria ainda muito a dizer sobre este portentoso trabalho de Noronha, principalmente para um Brasil que, não raro, tem sua autoestima rebaixada pelas potências que nos querem submissos em política externa e incompetentes para a busca da soberania e do desenvolvimento com justiça social.


Levi Bucalem Ferrari é presidente do Conselho Consultivo e Fiscal da UBE. A resenha foi publicada originalmente no jornal “O Escritor” da UBE, em 2013.