O fim de Blair, o Pinochet britânico

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 10 de maio de 2006.

LONDRES – O primeiro a cair, defenestrado pela disputa democrática, foi Suarez, o fundamentalista cristão de extrema direita, que chefiava o governo espanhol. O segundo, foi o bufão italiano, Berlusconi, corruptor que se julgava capaz de controlar a opinião pública e as instituições de seu país, colocando-se acima da lei. Agora, dos cavaleiros do apocalipse que lançaram a cruzada contra o direito internacional, os direitos humanos e as liberdades democráticas, restam apenas Bush e Blair.

Desses dois, o último, Tony Blair, sofreu uma grande derrota nas eleições municipais britânicas realizadas no final da semana passada, com o seu partido, o Trabalhista, figurando apenas em terceiro lugar, dentre os três principais concorrentes. Imediatamente, fizeram-se sentir as pressões internas no âmbito do Labour Party para que Blair indicasse uma data em que renunciará à sua liderança, de maneira a permitir que um outro homem político guie o partido para as próximas eleições. É o instinto de sobrevivência dos políticos, um quinto e apurado sentido, falando mais alto.

De fato, a popularidade de Blair encontra-se no seu nadir. Ninguém o agüenta mais, nem o povo inglês, nem os partidários políticos, nem os líderes dos países europeus e nem mesmo a opinião pública internacional. O fato de que o apoio recebido hoje na comunidade mundial pelo pequeno zelote inglês seja limitado ao incentivo de Bush, o seu parceiro dominante, indica o grau de isolamento da política externa britânica.

Face a tal situação, no âmbito doméstico, Blair reagiu à contundente derrota sofrida nas urnas, e à possibilidade de pressão interna em seu partido para sua renúncia, como fazem os pequenos tiranos: com uma radical reforma de seu gabinete, da qual não escaparam nem o ministro do interior nem o das relações exteriores, dentre outros.

Nos seus aproximadamente nove anos de governo, Blair liderou o Labour Party na renúncia aos valores humanísticos tradicionalmente esposados e duramente defendidos historicamente por aquela agremiação. Mais ainda, promoveu a concentração de rendas em seu país, um resultado desastroso para qualquer partido político, principalmente para um soi-disant socialista.

Ainda internamente, Blair causou a maior redução nos direitos humanos e às liberdades individuais no Reino Unido desde a época da revolução de Cromwell. Assim, nem mesmo o instituto do habeas corpus foi poupado, tendo sofrido uma limitação muito expressiva. Seu governo adotou a política de assassinato de Estado, que vitimou o trabalhador brasileiro no metrô de Londres, Jean Charles de Menezes, procura acabar com a advocacia e buscou poderes de exceção, típicos das ditaduras.

Acresce que, na política externa, enquanto procurou instigar o dissídio no âmbito da União Européia, Blair alinhou automaticamente sua ação, de maneira subordinada, aos desígnios dos Estados Unidos da América, sob a liderança de um tirano trôpego e ignorante, George Bush. Como resultado, contribuiu para solapar o direito internacional com a invasão ilegal do Iraque e para promover a miséria, o sofrimento e a desesperança em toda a região.

Tony Blair tem o seu lugar assegurado no infame monte de lixo da História. Lá ele terá a companhia de Pinochet, dentre outros personagens de sua laia. Ele fez por merecer.