O Nelson Rodrigues de saias

Prefácio do livro Coração Insano –Crônicas Corintianas de Merli Maria Garcia Diniz, São Paulo, 08 de junho de 2018.

Numa ocasião, o grande médico brasileiro, o Professor Doutor H. Delboni Filho pontificava prazerosamente entre seus colegas docentes e alunos da faculdade de medicina a respeito de sua terra natal, São José do Rio Preto. Dizia ele: “é a capital do mundo e o berço da civilização”, sem mover um músculo facial, exatamente porque desejava transmitir a sólida impressão de extrema seriedade na precisão linguística. Prontamente, um engraçadinho que vestia meias de cor verde perguntou, com o cinismo daqueles que não aceitam a verdade: “e o quê Rio Preto exporta?” Sem hesitar, o Professor Delboni respondeu com firmeza e convicção científica: “Rio Preto exporta talentos”.

Ocorreu-me o episódio tanto pitoresco quanto verídico ao ler a minuta do livro “Coração Insano –Crônicas Corintianas”, da escritora rio-pretense, Merli Maria Garcia Diniz, associada da União Brasileira de Escritores – UBE, com uma sólida carreira na área literária e no jornalismo esportivo. Confortável e desenvolta seja na prosa como na poesia, recebeu prêmios líricos internacionais no Chile, na Itália e em Portugal. Manteve uma coluna denominada “Bola e Batom”, no venerável jornal Diário da Região, publicado em São José do Rio Preto, onde escrevia artigos de grande repercussão sobre futebol, que eram muito respeitados por mulheres e homens. Escreveu também noutras publicações regionais, frequentemente sobre o futebol e sua expressão maior: o Sport Club Corinthians Paulista.
Como fizeram outros grandes jornalistas esportivos antes dela, a exemplo de Nelson Rodrigues e Luís Fernando Veríssimo, resolveu agregar as suas crônicas futebolísticas numa obra literária. À semelhança de Nelson Rodrigues e Luís Fernando Veríssimo, Merli Maria Garcia Diniz, é uma patriota que valoriza o país onde nasceu, sua cultura e seus valores. Da mesma maneira, ela tem uma enorme sensibilidade social, que na realidade faz parte inseparável do ethos corintiano. De fato, a começar por sua apresentação, onde cita a “Pastoral ao Povo Corintiano” do grande Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, na realidade uma feliz e apósita metáfora para tratar da vida, direitos e aspirações do brasileiro, Merli Maria Garcia Diniz, não dissocia a paixão corintiana do humanismo. Pelo contrário.
A postura emerge translúcida na crônica “Sofrimento Garantido”, na qual trata de uma derrota do Timão:
“Para nós a Copa do Brasil acabou.
Assim, como em 2014, com vantagem no jogo de ida, sucumbimos ao adversário.
Não gosto nem de me lembrar.
Por tão pouco, perdemos a alegria de uma noite e de uma caminhada, vitoriosas.
Não bastasse a lambança dos nossos governantes restringindo direitos sociais, nosso time restringe também, nosso contentamento.
Deve ser sina de país de corruptos, em que apenas no futebol podemos lavar a alma e animarmos nosso coração.
De qualquer modo, ganhando ou perdendo, salve o Corinthians!”

Contudo, diferentemente de Nelson Rodrigues e Luís Fernando Veríssimo, Merli Maria Garcia Diniz escreveu sobre o Sacrossanto. Suas crônicas tratam apenas do Sport Club Corinthians Paulista, pela desnecessidade absoluta, é certo, de se cuidar de outras pretensas agremiações futebolísticas, quando o Timão esgota o tema do futebol, pelo seu excelso, grandioso e heroico histórico. Ao contrário de Nelson Rodrigues, que afirmou: “já descobrimos o Brasil e não todo o Brasil. Ainda há muito Brasil para descobrir .” Merli Maria Garcia Diniz não tem dúvidas, apenas certezas, como quando trata do segundo título mundial do Corinthians: “de certa maneira, fomos o Brasil. Fomos a Pátria. Sim. Aqui tem um bando de loucos. Loucos por ti, Corinthians”.
Merli Maria Garcia Diniz parece discordar da assertiva de Luís Fernando Veríssimo, em sua assertiva de “poder ser provado que Deus é o técnico vitalício do Brasil …” Segundo uma leitura atenta da grande escritora rio-pretense, referendada por ninguém menos que Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns, Deus é o permanente técnico corintiano, que a Fiel torcida, com seu coração de ouro, altruisticamente empresta para a seleção nacional do Brasil, de quatro em quatro anos. Nestas ocasiões quadrienais, parece que Deus deixe apenas São Jorge como encarregado de conduzir o Timão, quase sempre com sucesso.
Segundo Merli Maria Garcia Diniz, “Deus é pai, São Jorge, nosso padroeiro e meu time é o melhor do mundo”. Ela, contudo, não hesita em convocar uma legião de santos para apoiar o Timão nos momentos de grandes dificuldades, convocando sem cerimônias Jesus, Nossa Senhora e São José, dentre outros. Ocasionalmente, São Jorge é afastado após uma derrota, como na crônica “Demissão de São Jorge”, para logo em seguida ser convocado, como o astro futebolista do firmamento divino, e com sua montaria, na crônica “Jogo dos Desesperados”: “Com São Jorge e seu cavalo, em plena lua cheia, começa o jogo dos desesperados.”
Em suas crônicas bem estruturadas e escritas com estilo e grande desenvoltura, Merli Maria Garcia Diniz não se esquece de mencionar reiteradamente a elegância, a classe, a galhardia, o aprumo, a beleza e a graça da nação corintiana: “como nosso técnico e time são elegantes no trato, goleamos sempre de um ou no máximo dois a zero, para não humilhar o adversário… E que venham todas as forças do universo, porque com São Jorge Guerreiro ninguém pode.”
Na admirável crônica “Corinthians e Palmeiras – Brasileirão 2017”, a escritora indaga retoricamente: “Tem coisa melhor do que ganhar do Palmeiras?”, para ela mesma responder: “Só ganhar do Palmeiras todas as vezes…” e continuar:
“Claro que fiquei tensa, porque o gavião sapecar o porco era de se esperar, mas ninguém pensou que iria ser fácil.
No entanto, foi.
Alçamos voo, levando pelos ares nosso mais antigo e perigoso rival.
Foi eletrizante.
O chão tremeu. O palmeirense também.
E nós, Gaviões da Fiel, planamos suavemente em mais uma vitória sensacional”.

O excelente livro “Coração Insano – Crônicas Corintianas”, que retrata a história do Campeão dos Campeões, com a paixão da torcedora e a classe de uma grande escritora, é de leitura obrigatória para todos aqueles que, como eu, fomos abençoados no nascimento pelo ardor da chama corintiana e por seus melhores e reconhecidos valores humanísticos, estéticos e sociológicos. Para os pobres analfabetos do coração, para os deserdados do paraíso ou ainda os desalentados eleitores da mediocridade, a leitura é prescindível.
Salve o todo poderoso Sport Club Corinthians Paulista!

São Paulo, Quadra Flávio La Selva, 8 de junho de 2018.