O Orkut, a Google e a assistência judiciária internacional

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 30 de agosto de 2006.

São Paulo – Sob o título “Criminosos da era eletrônica”, em artigo publicado em Gazeta Mercantil de 25 de agosto, o professor Dalmo de Abreu Dallari comentou um caso sob os meus cuidados profissionais, ou seja, a ação que o Ministério Público Federal move contra a empresa Google Brasil. A matéria diz respeito à cooperação na prestação de informações referentes à prática dos crimes eletrônicos.

A questão é complexa e tem um forte matiz internacional. De fato, no crime eletrônico é freqüente o criminoso estar num país, a vítima noutro, o computador num terceiro e o servidor numa quarta jurisdição. A natureza do cibercrime, bem como a própria estrutura da rede mundial de computadores, levou a comunidade internacional a celebrar, em 2001, a Convenção sobre o Cibercrime, assinada por 42 países, mas não pelo Brasil.

A convenção procura lidar com os crimes praticados por computador. Esses ocorrem, em primeiro lugar, quando um computador é objeto de um crime, como no caso da subtração ilegal de informações ou dano a equipamento ou rede. Por outro lado, um computador pode ser usado para cometer um delito, via Internet, como nos casos de fraude financeira ou na disseminação de conteúdo criminoso. Em terceiro lugar, um computador guarda provas, que podem constituir a materialidade de um crime, e que são de grande valor para as autoridades policiais.

Essa última categoria faz-se necessária porque, como é sabido, no direito doméstico vale o princípio de que a lei do local rege o ato (lex loci regit actus). Esse preceito, numa dimensão internacional, gera potencialmente o chamado conflito de leis entre os vários direitos domésticos. Assim, estando os servidores ou computadores utilizados para a prática de um crime num país, vale a lei deste para a prova judiciária. Daí decorre o instituto da chamada cooperação judiciária internacional, porque é impossível que qualquer país aplique sua lei extraterritorialmente.

O caso que ensejou o comentário do professor Abreu Dallari foi iniciado há cerca de três meses por uma série de entrevistas, individuais e coletivas, nas quais o Ministério Público comunicou sua intenção de processar a Google Brasil por falta de cooperação. Em seguida, no último dia 22 de agosto, o Ministério Público divulgou um comunicado à imprensa (sic) informando haver distribuído uma ação contra a Google Brasil, requerendo multas e até mesmo o “fechamento” da empresa (sic). A empresa ré ainda não foi citada, portanto ainda não contestou a ação.

Dentre as alegações infundadas utilizadas pelo Ministério Público Federal está a de que não tem recebido cooperação em revelar a identidade dos criminosos, o que foi utilizado como uma premissa básica para o raciocínio do prof. Abreu Dallari. Em realidade, a empresa que detém as informações é a Google Inc., em servidores situados nos Estados Unidos da América, sujeitos portanto às leis daquele país. Contudo, a Google Inc. tem prestado informações e colaboração em todos os pedidos a ela dirigidos pelo Judiciário, tendo para tanto constituído procuradores no Brasil.

Para demonstrar a pertinência de suas alegações técnicas, a Google Brasil antecipou-se ao Ministério Público Federal no dia 21 de agosto tendo entrado com uma produção antecipada de provas na qual demonstrará que não tem os servidores Orkut e não tem acesso aos dados ali armazenados.

De resto, a questão está sub judice. A imprensa, mesmo sendo uma manifestação da liberdade de expressão, não é um instrumento processual legítimo e seu uso, tanto para fins de propaganda à maneira dos exibicionistas estéreis do Ministério Público Federal, como para fundamento de doutrina jurídica, é impróprio e falho.