Os novos e grandes desafios do FMI

Publicado na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jbonline.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil, caderno Economia & Negócios, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 16 de dezembro de 2007.

No dia 1 de novembro de 2007, tomou posse como novo diretor gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), o sr. Dominique Strauss-Kahn, ex-ministro da fazenda da França, como candidato da União Européia (UE), que tradicional e hoje anacronicamente indica o principal executivo do organismo multilateral com sede em Washington, DC, e composto por 185 Estados membros.

O novo diretor-gerente assume o seu posto com grandes desafios. Em primeiro lugar, há a questão da mais absoluta falta de credibilidade do organismo multilateral, utilizado há décadas pelas potências hegemônicas e, notadamente os Estados Unidos da América (EUA) para assegurar o fluxo de capitais dos países emergentes rumo aos agentes econômicos dos países desenvolvidos. Veja-se o recente e trágico caso da Argentina, por exemplo.

Em segundo lugar, a construção de uma credibilidade para o FMI implicará numa reforma institucional que assegure não apenas uma legitimidade do organismo pela equilibrada representatividade dos Estados membros, mas também que afirme uma política que permita o crescimento econômico e desenvolvimento social generalizado, e não apenas do antigo núcleo central.

Por último, ironicamente, o FMI deverá posicionar-se para lidar com a maior fonte de instabilidade da economia mundial nos dias de hoje – a situação dos EUA. De fato, a queda espetacular do dólar americano nos últimos meses reflete uma situação precária da economia dos EUA, caracterizada por um déficit em conta corrente de cerca de US$ 800 bilhões, nos últimos doze meses.

Esse déficit tem sido utilizado internamente para o financiamento ao consumo por parte da população estadunidense e não para os investimentos, com os respectivos financiamentos vindo de empréstimos a curto prazo. Por sua vez, a balança comercial dos EUA apresenta-se negativa em aproximadamente os mesmos US$ 800 bilhões.

Bancos centrais financiam déficit

Por outro lado, esse déficit tem sido financiado externamente pelos bancos centrais, não apenas dos países desenvolvidos, mas crescentemente de países em desenvolvimento como a China e o Brasil, de maneira a permitir a manutenção do fluxo de suas exportações e de impedir uma apreciação desmesurada de suas moedas nacionais.

O mecanismo hoje utilizado pelos bancos centrais é precário quanto à eficácia, se usado isoladamente, e tem limites quanto ao seu alcance futuro, pois a deterioração da economia americana tem uma velocidade maior do que o crescimento dos saldos comerciais chineses. Dias atrás, um importante político chinês, Cheng Siwei, clamou pela diversificação das reservas chinesas, hoje em US$ 1,4 trilhão, em moedas alternativas, o que de resto já foi anunciado pelo próprio governo da República Popular da China, há mais de um ano.

Outro fator a alimentar a crescente vulnerabilidade do dólar americano é o preço do petróleo, hoje no patamar de quase US$ 100 o barril, o triplo do valor de 10 anos atrás. Como é sabido, os EUA são os maiores consumidores de petróleo do mundo, consumindo cerca de 26 barris por habitante/ano, o triplo da Europa e quase o dobro do Japão.

O colapso dos mercados financeiros imobiliários dos EUA ocorrido há semanas atrás só fez por agravar o tenebroso quadro, já que grandes operadores financeiros encontram-se em dificuldades e a descrença institucional fez com que o índice Dow Jones, da bolsa de valores, despencasse.

Assim, resulta claro que a cooperação internacional se faz absolutamente necessária para se evitar um desfecho num pesadelo em que a iminente pulverização e aviltamento total do dólar norte-americano venha a provocar uma crise econômica mundial sem precedentes.

Para tal fim, dever-se-ia utilizar o FMI. Contudo, uma reforma política institucional do organismo se impõe urgentemente, como condição precedente a qualquer ação eficaz, de tal forma que o protagonismo, hoje injustificado, dos EUA seja eliminado e assim se permita trazer disciplina fiscal e orçamentária àquele país, cuja gestão temerária e irresponsável hoje ameaça a prosperidade internacional.