Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 17 de novembro de 2010.
Londres – Há exatamente um ano, em 17 de novembro de 2009, a UE (União Européia) publicou o Regulamento 1060/2009, com o intuito de disciplinar as atividades das chamadas AACs (Agências de Avaliação de Crédito), o qual entrou em vigor no dia 7 de dezembro do ano passado. A regulamentação, exigida massivamente pela opinião pública global, veio em resposta à grave responsabilidade das AACs na crise financeira que afetou os principais mercados mundiais e que evoluiu para um aperto econômico global.
O principal ponto a ser assegurado pelo Regulamento 1060 diz respeito à necessidade de independência das AACs, bem como da inexistência de conflitos de interesses no exercício de suas atividades. Outros pontos dizem respeitoà metodologia e à divulgação de informações.
É certo que tais requisitos são básicos para qualquer atividade na área de consultoria, financeira ou não. Todavia, no paraíso da auto-regulação do neoliberalismo, tais pontos básicos para a proteção do público investidor foram simplesmente ignorados, o que permitiu graves abusos nos últimos anos.
É certo que as AACs devem ser independentes dos agentes financeiros emissores de valores mobiliários, já que emitem laudos com o propósito declarado de permitir que o público investidor possa corretamente avaliar o mérito dos investimentos oferecidos e os respectivos riscos inerentes.
Mais ainda, as AACs não podem ter conflitos de interesses. No passado, para um número de apenas 12 empresas AAA no mundo, foram emitidos aproximadamente 64 mil instrumentos financeiros estruturados avaliados como AAAs. Muitos desses resultaram insubstanciosos ou super-avaliados.
Tal fenômeno é explicado pela voracidade das AACs em receber seus polpudos vencimentos dos bancos comerciais, pela certificação dos instrumentos colocados no mercado sob sua responsabilidade direta ou indireta. Assim, quanto maior o número de títulos de crédito emitidos, maior a receita das AACs.
Motivadas pelo potencial de receita, as AACs foram cúmplices dos bancos comerciais que, ao colocar títulos securitizados aos seus clientes e ao mercado em geral, evitavam as restrições regulatórias existentes a respeito de capital e liquidez mínimas, estabelecidas a partir de parâmetros internacionais, como aqueles objetos dos chamados Acordos de Basiléia.
No final de 2010, portanto um ano depois da publicação do Regulamento 1060, contudo, já se impõe sua reforma e aperfeiçoamento, tamanha a natureza do abuso cometido e suas implicações para a economia mundial. De fato, a regulamentação existente é omissa no tocante às penalidades, o que é muito grave, devido os inúmeros riscos potenciais para a economia popular.
De mais a mais, a própria legislação bancária européia evoluiu positivamente de um ano para cá, o que por sua vez exige uma atualização da regulamentação das CCAs. Parece também necessária a criação da proposta ESMA (Autoridade Européia do Mercado Imobiliário), que inter alia autorizaria e supervisionaria as CCAs.
De resto, ainda espera-se com muita ansiedade a apuração das responsabilidades criminais dos desmandos havidos no passado recente, o que sem dúvida alguma poderá ser feito com base nas legislações domésticas de ordem penal existentes nos Estados da UE.