A economia e a crise política

publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 24 de agosto de 2005.

No início da década de 90, encontravam-se as negociações da Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) numa fase crucial, após um período de impasse de quase quatro anos. Tratava-se a respeito da nova formatação do comércio internacional, um tema de grande importância estratégica para todos os países membros do sistema multilateral do comércio. No Brasil, todavia, todos os olhos e atenções nacionais estavam dirigidos ao ocaso do governo Collor. Com nada mais se importava. O país estava desacreditado perante a comunidade internacional e a própria auto-estima nacional andava num patamar muito baixo. Os negociadores brasileiros em Genebra ficaram isolados de seu próprio governo.

A conseqüência direta de tal situação foi que a formatação obtida em Marraqueche, com o fechamento da Rodada, em fins de 1993 e a posterior criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), em 1995, foi altamente detrimental para os países em desenvolvimento, de uma maneira geral, e para o Brasil, em particular. O insuspeito FMI (Fundo Monetário Internacional) concluiu recentemente que mais de 70% das vantagens da Rodada Uruguai coube aos países desenvolvidos, em detrimento daqueles em desenvolvimento.

De fato, o regime jurídico multilateral permitiu a manutenção dos escandalosos subsídios agrícolas mantidos pelos países desenvolvidos de US$ 1 bilhão por dia. Igualmente, o setor de serviços teve uma liberalização seletiva ao permitir o acesso dos prestadores de serviços dos países desenvolvidos aos mercados dos países em desenvolvimento, enquanto mantinham os próprios fechados. O sistema de resolução de disputas da OMC foi desprovido de eficácia, de maneira a permitir que os países desenvolvidos possam descumprir ao bel prazer suas decisões. Assim, milhões de brasileiros continuam a viver abaixo do nível de pobreza, situação que poderia ter sido de outra forma, ainda que parcialmente, evitada.

O tratamento dado à crise atual pela Nação evoca os piores momentos do affair Collor. Temos em andamento a Rodada Doha da OMC. Negocia-se o projeto ALCA, que nos é desinteressante. Trata-se de um acordo com a União Européia. Questões fundamentais são acertadas com nossos parceiros do hemisfério sul: a comunidade sul-americana, a África do Sul, a China e a Índia, responsáveis por aproximadamente 50% de nosso comércio externo. Procura-se atrair investimentos para o Brasil e tornar o País mais competitivo internacionalmente através de diversas reformas, inclusive de ordem tributária. O preço de se comprometer toda essa agenda seria altíssimo para o nosso futuro.

Não se discute a pertinência da apuração, nos termos da lei, das irregularidades e crimes apurados, o que é um imperativo do estado de Direito, mas sim a virtual paralisação das atividades dos Poderes Executivo e Legislativo. O interesse maior do Estado é a preservação da ordem jurídica, dentro de um quadro de normalidade institucional e de pleno funcionamento governamental, de tal modo que os interesses básicos e estratégicos da nação sejam assegurados.

A indução à paralisa institucional, ainda que parcial, terá um efeito desastroso para o país, num mundo em que freqüentemente as negociações internacionais determinam de maneira brutal e inexorável o futuro das nações. A apuração de ações criminosas não é uma telenovela e deve obedecer as normas jurídicas que constituem o estado de Direito e aos critérios do bom-senso e do patriotismo. Enquanto as instituições apuram legal e democraticamente a existência de crimes e os punem, a Nação deve continuar a trabalhar na perseguição de seus mais altos propósitos.