O Vate Cláudio Willer e o resplendor da poesia.

Obituário ao grande humanista Cláudio Willer, São Paulo, 06 de fevereiro de 2023.

Por Durval de Noronha Goyos

Apagou-se uma estrela de lustro singular. Faleceu na cidade de São Paulo, no dia 13 de janeiro de 2013, com 82 anos, o grande escritor, poeta, professor e crítico literário, Claudio Willer, autor de grandes contribuições líricas que tiveram ampla repercussão nacional e internacional, mesmo num gênero que se apresenta dificultoso para as traduções. Nascido em São Paulo, em 2 de dezembro de 1940, era filho de pai austríaco (judeu) e de mãe alemã (católica), ambos antifascistas e refugiados dos horrores patrocinados por Hitler, Mussolini e Franco, os quais emigraram para o Brasil em 1940. Tinham eles também uma forte influência da cultura italiana, que marcou a formação do filho, juntamente com o sentimento de tolerância, “o apanágio da humanidade”, segundo o sábio Voltaire. O jovem Cláudio Willer recebeu uma introdução literária e musical já em casa, onde se comunicava com os pais em alemão e português. Depois, aprenderia outras 3 línguas e também se distinguiria como tradutor literário.

Poeta desde tenra idade, Claudio Willer teve uma educação formal que, posteriormente, daria uma substância única no mundo aos seus escritos literários. Fez o curso secundário na escola Dante Alighieri; graduou-se em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), onde também lecionou psicologia geral; e em sociologia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em meados da década de 1960. Posteriormente, obteria o título de Doutor em Letras também pela USP, onde ainda completaria um programa de pós-doutoramento. Em ambas as respectivas teses, o sentimento de tolerância que marcou sua vida restou de uma evidência solar. Ele mesmo escreveu que, como legado de suas origens, mantinha “equidistância das religiões, tolerância”.

Claudio Willer, na qualidade de poeta, foi um dos maiores expoentes internacionais do surrealismo literário e da geração beat, reconhecido mundialmente. A sua formação acadêmica de psicólogo deu-lhe os sólidos fundamentos necessários para o surrealismo literário, na busca da superação das contradições entre o consciente e o inconsciente e na criação de situações irreais, irracionais, fantásticas ou mesmo fantasiosas. Ele formou um elenco formidável de poetas surrealistas com André Breton, Robert Desnos, Penelope Rosemont e Octavio Paz, dentre outros. Alguns de seus poemas foram publicados também em espanhol, em francês, em italiano, em inglês e alemão.

A obra poética do grande autor brasileiro, como bem assim a sua prosa, é encontrada em grande parte de maneira esparsa, como é a sina dos bardos, publicada que foi em muitas antologias, revistas poéticas, cadernos literários, etc. Na língua portuguesa, destacam-se os livros de poesias “Estranhas Experiências” e “A Verdadeira História do Século 20”. Cláudio Willer inspirou a antologia poética da União Brasileira de Escritores (UBE), “Primeiras Ideias”, o mote do movimento beat, publicada em 2018, da qual eu fui o organizador. Na prosa, é marcante a obra memorialista “Dias Ácidos Noites Lisérgicas”, como também os livros “Geração Beat” e “Os rebeldes: geração beat e anarquismo místico”.

A rebeldia do poeta Claudio Willer era caracterizada pelo inconformismo com a injustiça; com a mediocridade; com a violência; com a opressão; com a intolerância; e com as trevas, de uma maneira geral. A contrario sensu, o poeta foi um amante da paz; dos melhores valores civilizatórios; da literatura; da música; e de todas as diversas manifestações de ordem cultural. O ethos de sua rebeldia transparece na obra crítica “Escritos de Antonin Artaud”, traduzida, organizada e magistralmente comentada por Claudio Willer. Ele, ademais, sabia ouvir, esta nobre virtude comumente esquecida. Quando se pronunciava, era sempre com sobriedade, ponderação e equilíbrio. Com tais qualidades, tinha muitos amigos e admiradores.

Cláudio Willer foi presidente da UBE por dois mandatos, em períodos difíceis, para além de seu dirigente e conselheiro por algumas décadas. Conheci o poeta há mais de 20 anos, no início dos anos 2000, quando eu fui conselheiro da entidade. Ele sempre soube empunhar as nobres bandeiras humanísticas históricas da mais antiga associação de escritores do Brasil. Tornamo-nos amigos, apesar de nossas diferenças de formação pessoal, profissional e acadêmica, mas não de ordem ideológica ou humanística. O crítico literário escreveu resenhas de alguns de meus livros e eu fui seu advogado.

Durante os períodos em que eu tive o mandato de presidente da UBE, ele foi sempre um ativo e leal membro da diretoria e se oferecia reiteradamente como professor voluntário para os nossos cursos e oficinas literárias. Atuante, Cláudio Willer ainda participava da grande maioria de nossos eventos e nos brindava sempre com o seu cavalheirismo, cordialidade, atenção e respeito. Como incentivo aos poetas iniciantes, chegou mesmo a recitar seus poemas nos saraus da nossa comissão do jovem escritor. Claudio Willer foi a personificação da dignidade literária. Terminados os meus mandatos, continuamos amigos até a triste data de sua morte.

Num certo sentido, Cláudio Willer escreveu diversos epitáfios para si próprio em alguns dos seus extraordinários poemas. Um deles, em “Praia na Ilha”, diz o seguinte:

“… não somos daqui
viemos de muito longe
para descobrir a derradeira praia deserta
no costão oceânico da ilha
cercada por muralhas de vento e claridade
onde cobertores de maresia
são estendidos sobre nossos corpos
mansamente reclinados
sobre a pele dourada do Tempo…”

Cláudio Willer (*2.12.1940 + 13.1.2013).