Cresce a oposição mundial aos biocombustíveis

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 09 de abril de 2008.

Londres – O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o coreano Ban Ki-moon, requisitou uma revisão abrangente das políticas a respeito dos bio-combustíveis como fatores determinantes sobre o aumento expressivo, nos últimos dois anos, dos preços mundiais de alimentos, o que, segundo alguns, poderá induzir uma instabilidade global.

No passado, o Secretário-Geral mostrou uma grande preocupação com o tema do aquecimento global e apoiou a alternativa dos bio-combustíveis como um dos meios de combatê-lo. Ao mudar de opinião, Ban Ki-moon baseou-se inter alia no trabalho do relator especial da ONU sobre o direito aos alimentos, o suíço Jean Ziegler que, com exagero, chamou os bio-combustíveis de “crimes contra a Humanidade”.

Segundo os críticos das políticas de bio-combustíveis, dentre os quais o líder cubano, Fidel Castro, o seu uso seria detrimental à preservação de florestas tropicais, que estariam a ser derrubadas para o plantio de colheitas destinadas à produção de carburantes. Mais ainda, o processo de produção de etanol de cerais gastaria muita energia.

Por último, a destinação de áreas de produção e a substituição de colheitas estaria a aumentar o preço das mercadorias agrícolas e a fazer com que o custo dos alimentos se situe acima das possibilidades de grande parte dos consumidores mundiais situados em países em desenvolvimento.

Na realidade, o problema da fome no mundo não é novo. Ainda hoje, segundo dados do Banco Mundial, 33 países podem sofrer uma desestabilização política devido ao preço maior dos alimentos. Em Bangladesh, por exemplo, cerca de 70% da renda familiar é destinada à compra de alimentos.

O problema pode se tornar mais agudo nos setores mundiais mais vulneráveis, como na África, pelo expressivo aumento de cerca de 80% das mercadorias agrícolas nos últimos 3 anos, sendo que 60% foi verificado apenas nos últimos 12 meses. Tais aumentos seguiram cerca de duas décadas de depressão nos preços mundiais de alimentos.

Contudo, as análises até hoje apresentadas a respeito da questão pecam por inúmeros vícios. Em primeiro lugar, pelo tradicional etnocentrismo: as especificidades dos EUA são extendidas para todo o mundo. Nos EUA, de fato, diminui-se a produção de alimentos para a fabricação de etanol de milho e o processo industrial é pouco racional. No Brasil, no Canadá e na Argentina tal não ocorre.

Em segundo lugar, no aumento da valoração das mercadorias agrícolas não é computado o efeito do incremento substancial do consumo de alimentos da parte da população dos grandes países emergentes como a China e a Índia, dentre outros, que é sem dúvida a sua principal causa. De mais a mais, preços agrícolas maiores e, no caso, justos asseguram a prosperidade dos produtores rurais, ricos tanto quanto pobres, e de um número grande de países em desenvolvimento.

Por último, observe-se que os países mais vulveráveis à crise de preços são aqueles historicamente em dificuldades, ou porque suas agriculturas não puderam se desenvolver como consequência do efeito deletério dos subsídios desembolsados pelos países ricos, que fazem que a carne européia seja mais barata que a local na Costa do Marfim, quer porque suas condições geográficas não o permitem, como Bangladesh.

Tais países são tradicionalmente recipientes de ajuda humanitária, que têm diminuido ano a ano. Em 2007, o mundo desembolsou apenas US$ 103 bilhões para tal fim, uma queda de quase 10% com relação ao ano anterior. Esse montante foi menos de 20% do que os Estados Unidos da América (EUA) gastaram apenas com a insana guerra no Iraque no mesmo período. Menos de 0.16% do PIB dos EUA e de 0.36% daquele da Alemanha são dispendidos em ajuda humanitária.

Assim, parece evidente que ainda não se tem um quadro claro, amplo e consistente para uma posição definitiva a respeito de um tema tão complexo. Cabe ao governo brasileiro ficar alerta ao debate que ora se trava, deixando de dormir no ponto como é da nossa tradição negociadora, já que os mais altos interesses nacionais estão em jogo, pela importância que o agronegócio tem para a nossa economia.