A bizarria da extraterritorialidade

Publicado na Coluna Semanal do Dr. Noronha a convite do sítio “Última Instância – Revista Jurídica”, São Paulo, Brasil, 15 de fevereiro de 2006.

LONDRES – Conhece-se largamente como os Estados Unidos da América promovem o exercício arbitrário das próprias razões nas relações internacionais e assim levam a efeito a desconstrução do direito internacional, lançando uma tanto nova como terrível idade das trevas na história das civilizações. A respeito, Mahatma Gandhi, indagado sobre o que pensava a respeito da chamada civilização ocidental, respondeu que esta seria uma boa idéia.

Uma das manifestações do unilateralismo dos EUA ocorre a respeito da tentativa de aplicação extraterritorial de suas leis. O fenômeno ocorre nas mais diversas áreas e afeta relações bilaterais, regionais e bilaterais. Ele ocorre também em diversos setores como, inter alia, meio-ambiente, imigração, finanças, armamentos, transportes terrestres, aéreos e marítimos, investimentos, contratos governamentais, segurança nacional, aduanas e crime. Ele ainda manifesta-se contra diversos países, mas particularmente contra Cuba, uma vítima há décadas das ações deletérias do imperialismo sanguinário.

Há cerca de uma semana atrás, encontravam-se na Cidade do México alguns funcionários públicos cubanos ligados ao setor energético. Tratavam eles com empresários americanos ligados à indústria de petróleo, já que estes não podem ir a Cuba, por vedação do governo dos EUA; e aqueles não podem ir aos EUA, por proibição do mesmo governo. Estavam os funcionários públicos cubanos hospedados no hotel María Isabel Sheraton, na capital mexicana.

Pois bem, o Departamento do Tesouro dos EUA, um ministério, e portanto, um órgão da administração pública direta daquele país, ordenou que o referido hotel, por pertencer a uma cadeia norte-americana, muito embora fosse situado na República Mexicana, deveria desalojar os referidos funcionários públicos cubanos. E assim foi feito imediatamente pela administração local (sic).

Houve um justificado repúdio da opinião pública mexicana à ação do governo dos EUA, bem como à pusilanimidade da administração Fox. De fato, o hotel está sujeito às leis do país onde se situa, i.e., o México. A discriminação de hóspedes quanto à nacionalidade, bem como quanto à raça ou a religião, é vedada pela legislação de regência do país. No entanto, a gerência do albergue não hesitou em obedecer ao comando imperial.

O governo mexicano teve, desgraçadamente, uma atitude pusilânime e vergonhosa a respeito do incidente, que atinge não somente a soberania, como a própria dignidade nacional.

Felizmente, o Senado mexicano rechaçou clara e vigorosamente a ação do governo dos EUA, denunciando seu caráter extraterritorial, discriminatório e resultante de uma lei interna conflitante com o direito internacional, o estatuto Helm-Burton, que não tem aplicação no México.

Por sua vez, a presidente da Câmara dos Deputados do México, Marcela Gonzáles Salas, clamou pela aplicação das sanções cominadas nas leis mexicanas ao delito praticado pela unidade da cadeia Sheraton. O povo mexicano, indignado, saiu às ruas e realizou um protesto na entrada do hotel, que teve ampla repercussão internacional.

O incidente tem uma natureza muito grave e exige da parte das autoridades mexicanas uma ação enérgica, tanto para coibir o precedente da ilegalidade, quanto para afirmar a soberania do país.