Publicado na versão eletrônica no sítio do JB On Line (http:\\www.jbonline.com.br), bem como na versão impressa no Jornal do Brasil, caderno Internacional, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 17 de novembro de 2006.
Bastou o governo federal iniciar consultas com segmentos empresariais domésticos a respeito da criação de um putativo Sistema Geral de Preferências (SGP) brasileiro, para que se iniciassem as críticas, tanto gratuitas quanto vazias e irresponsáveis, formuladas por seus opositores sistemáticos e inspiradas pelos cartórios empresariais anacrônicos e incompetentes.
Segundo tais críticos, ao adotar um SGP, o Brasil estaria a aventurar-se por sendas nunca antes trilhadas por um país em desenvolvimento; a promover desmedidas concessões unilaterais; a fazer “cortesia com o chapéu alheio”, por prejudicar a indústria doméstica; e a abrir uma comporta para uma “invasão de produtos chineses”, que inescrupulosamente burlariam as regras de origem.
Em realidade, ao contrário do que muitos podem imaginar, o mecanismo do SGP foi criado no âmbito da UNCTAD, em sua II Conferência, realizada em Nova Delhi, em 1968. Muito além do que a ética econômica do momento permitia, o organismo multilateral buscava a criação de um mecanismo generalizado, unilateral e não discriminatório em favor dos países desenvolvidos, incluindo medidas a promover os interesses dos Estados menos desenvolvidos.
Tais medidas buscariam o aumento das receitas de exportação dos países em desenvolvimento e dos menos desenvolvidos; a promoção de sua industrialização; e a aceleração de suas taxas de crescimento econômico. Além de seu evidente grande mérito intrínseco, o SGP constituiu-se num divisor de águas a respeito da necessidade de um tratamento diferenciado e mais favorável aos países em desenvolvimento.
Essa ação foi de fundamental importância porque o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, promovia de maneira aberta e impudica os interesses exclusivos do clube dos países ricos. De fato, o artigo 1 do GATT 47 consagrou o princípio da chamada cláusula da nação mais favorecida, segundo o qual um benefício ou concessão feito a um país, por outro, seria automaticamente estendido a todas as demais partes do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, promovia de maneira aberta e impudica os interesses exclusivos do clube dos países ricos.
Assim, em 1971, sob a inspiração do SGP da UNCTAD, as partes signatárias do GATT aceitaram uma exceção transitória ao princípio da cláusula da nação mais favorecida por um período de 10 anos. A seguir, em 1979, por uma decisão das partes contratantes, foi adotado o princípio que instituiu o fundamento ético do sistema multilateral do comércio ao consagrar a necessidade “do tratamento diferencial e mais favorável, com maior participação, dos países em desenvolvimento”.
Com o correr dos anos, 39 países adotaram o GSP: Austrália, Belarússia, Bulgária, Canadá, Estados Unidos da América (EUA), Estônia, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Rússia, Suíça, Turquia e União Européia (UE), representando 27 países a partir de janeiro de 2007. Como vimos, há diversos países em desenvolvimento que participam do SGP, inclusive a Rússia, que não faz parte do sistema multilateral comercial, hoje abrigado no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Contudo, apesar dos nobres princípios que inspiraram o SGP, o sistema, como tantos institutos internacionais, foi corrompido pelos EUA e foi utilizado seletivamente como instrumento político para a imposição da vontade daquele país. Essa deturpação ocorre de duas formas: ou para a inclusão do benefício da tarifa reduzida; ou pela ameaça de sua revogação. Apesar da deturpação do SGP, o mecanismo trouxe benefícios a muitos países, inclusive ao Brasil. Esse fato demonstra que o instituto pode ser utilizado com sucesso para a promoção da prosperidade mundial, o que foi reconhecido na reunião ministerial de Hong Kong da OMC, de 2004, quando se acordou que todos os Estados membros do organismo dariam um sistema favorecido aos 32 países de menor desenvolvimento relativo, em 2008.
Dessa maneira, a instituição do SGP brasileiro irá atender a um compromisso multilateral assumido pelo País. De mais a mais, permitirá ao Brasil reforçar sua posição de membro responsável da comunidade internacional e criará oportunidades, aos setores empresariais competentes e atentos, para o desenvolvimento de oportunidades naqueles parceiros comerciais. De resto, o programa pode perfeitamente ser dimensionado de acordo com a natureza e valor dos bens, conforme a realidade brasileira e dos países membros do sistema, de maneira a não causar danos domésticos. Por último, o risco da triangulação pode muito bem ser evitado, como já demonstra a história de quase 40 anos do SGP.